null Aprender pode ser um jogo e tanto

Qui, 14 Janeiro 2021 17:34

Aprender pode ser um jogo e tanto

Saiba como professores da Unifor estão usando a gamificação para estimular o potencial dos alunos


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Professores utilizam a "gamificação" como ferramenta para contribuir no processo de aprendizagem dos estudantes (Foto: Getty Images)

Foi-se o tempo que as aulas da universidade eram de fileiras de alunos sentados à espera de leituras densas e a condução de um professor sisudo e catedrático. Com o conhecimento do mundo na palma da mão, o aprendizado descobre novas formas e a “gamificação” tem sido a metodologia encontrada por professores para atrair e desenvolver melhor o potencial dos estudantes na Universidade de Fortaleza, uma instituição vinculada à Fundação Edson Queiroz

Da ideia à criação do “game” são inúmeras fases que o professor precisa desenvolver para ter como ferramenta didática um jogo. É o que a professora Alessandra Oliveira, do curso de Publicidade e Propaganda, aprendeu e, agora, passa adiante a partir de dois novos projetos que está pesquisando e deve deixar disponível para o emprego por outros professores. No ano passado, ela criou o "Expedição Internet". Desenvolvido na plataforma de ensino da Unifor, o game simulava a escalada ao Everest para a disciplina “Comunicação e Novas Tecnologias”

“Durou três dias e foi muito interessante trabalhar a jogabilidade para engajar os alunos. Eles piraram quando viram o vídeo comigo toda paramentada”, relembra. Para isso, ela pesquisou a fundo a nomenclatura do montanhismo, fez um roteiro estabelecendo os desafios para os estudantes e ainda preparou uma estratégia para que todos só concluíssem o desafio juntos. 

Isso porque as equipes de escalada só conseguiam nota 10 se todos chegassem ao “topo da montanha”. Ou seja, se alguns alunos abandonassem ou se contentassem com estágios da “escalada” que os rendesse notas boas, mas menores, ninguém ganhava 10. “Então, eles respondiam as questões e saiam correndo atrás dos colegas”, relembra, acrescentando que o sistema ainda embaralhava as questões para que o estudo entre eles fosse necessário e não um “decoreba”. 

Algo semelhante é feito no curso de Administração da Unifor há dez anos, mas com conteúdo mais focado no curso. Por lá, uma plataforma simula um cenário de competição e cooperação entre dez empresas. Grupos de alunos compõem os cargos de chefia delas e têm as decisões medidas pelo algoritmo do programa, como explica Josimar Costa, coordenador do curso. 

“Hoje, nós estamos trabalhando com um software que ele cria dez empresas dentro do mercado e gera todos os tipos de relatórios possíveis de um do funcionamento da empresa, o que permite que o aluno ele vivencie essa experiência de analisar dados, analisar cenário, identificar quais são as estratégias que ele vai, ele precisa utilizar pra tomada de decisão. Em cada rodada as decisões são tomadas, o sistema, através de um modelo matemático, simula os resultados e as empresas são classificadas”, explica. 

O professor ressalta ainda que, apesar da simulação de um ambiente de negócios, as equipes trabalham de forma colaborativa, pois as análises de cada uma das dez equipes são feitas em sala de aula. Isso incita a troca de informações e faz o aluno aprender com os erros e acertos próprios e dos colegas. Em 2021, após simular empresas dos setores de serviços e indústrias para os alunos do 7º semestre, Costa conta que haverá uma experimentação no primeiro semestre do curso de Administração para estimular e apresentar a prática da profissão aos estudantes estreantes na universidade. 

“Fora da sala de aula, juntamente com a equipe da Rito, empresa focada em realizar experiências inovadoras de aprendizagem, montamos a Expedição Futuros, uma experiência incrível que se utilizou de bots, sistemas de roleplaying (algo como um jogo de RPG) e a de comunicação plataforma Discord – conhecida entre os gamers – para imergir os alunos participantes em uma narrativa ficcional, que os levou a discutirem temas importantes e desenvolverem competências inter e intrapessoais de maneira lúdica, simulando suas presenças em uma embarcação fantástica, chamada Tempus”, conta o professor Davi Rocha, do curso de Publicidade da Unifor. 

Da universidade para o mercado 

Simuladores como os usados por Alessandra e Josimar nas aulas são, na verdade, um nicho de mercado bastante recorrente dos profissionais da computação que desenvolvem jogos eletrônicos, como explica a professora Andréia Formico. Há 20 estudando os games como ferramentas de aprendizado em diferentes áreas do conhecimento, a Phd em teoria dos jogos é professora do curso de Pós-Graduação em Informática Aplicada (PPGIA) da Unifor e presidente da Comissão Especial de Jogos e Entretenimento Digital (CE-Jogos), da Sociedade Brasileira de Computação. 

Andréia traz no currículo projetos desenvolvidos solo e em parceria com alunos para diagnóstico de imagem de câncer de mama, aumento de empatia no diagnóstico de câncer, saúde mental, promoção do uso de máscara em aglomerações, saúde bucal, vacinação, Mal de Alzheimer e mais dezenas de outros. É dela que parte o alerta: “todo mundo quer (trabalhar desenvolvendo jogos eletrônicos), mas poucos conseguem fazer tudo do começo ao fim”

Ter profissionais de diferentes áreas no desenvolvimento do game é essencial para o sucesso do projeto, segundo afirma a professora. A multidisciplinaridade, inclusive, é destacada por Daniel Valente, professor do curso de Ciência da Computação da Unifor que também estuda e trabalha no segmento, com projetos de entretenimento e também simuladores para indústria. “É preciso criação, roteiro, som, além da programação e a parte gráfica”, exemplifica, ao mesmo tempo que Davi Rocha aponta: “É crescente a busca por profissionais de relações públicas, marketing promocional e propaganda, para desenvolver, gerenciar e liderar os canais de comunicação de empresas do meio gamer”. 

Reunir os talentos em torno de um protótipo que ainda precisa de profissionais com conhecimento em legislação internacional (para venda em plataformas fora do Brasil) e finanças é o desafio principal, uma vez que o acesso a softwares e plataformas de comercialização está cada vez maior para iniciantes. Como compara Valente, antes, era preciso contatos com gigantes multinacionais como Sony e Microsoft para emplacar ideias de jogos. Hoje, os games prontos chegam a milhões pelas lojas mobile para Android e iOS. 

A plataforma mobile, ademais, é uma das preferidas do mercado brasileiro, segundo os professores da Computação e da Publicidade. “O mercado mobile vem avançando fortemente, amparado pelo crescimento e melhoria da tecnologia de streaming, que vem sendo cada vez mais adaptada para a interação. Logo, o mercado de Cloud Gaming ganhará força, especialmente uma vez que o 5G seja disseminado globalmente como o novo protocolo de transferência de dados em dispositivos móveis. Google, Facebook, Amazon, Apple e Microsoft já apresentaram suas soluções de cloud gaming ano passado e este é um nicho novo, mas que tem fortes chances de consolidação em 2021 ou 2022”, analisa Rocha. 

Desenvolvimento na academia 

O avanço nas ferramentas é acompanhado pelo conhecimento de mais profissionais sobre o mercado de jogos, na avaliação de Valente, que aponta isso como um ponto positivo para a universidade. Para ele, a orientação aos estudantes no início de curso já é mais acertada, mostrando o caminho e as possibilidades para ingressar e ter sucesso neste segmento. 

Já Andréia Formico e Davi Rocha apontam a necessidade de estruturas mais focadas para desenvolver a atividade na academia, assim como de editais que avancem os projetos para além dos protótipos. Ela ainda observa sobre as etapas de desenvolvimento e a expertise a ser desenvolvida pelo profissional: “Difícil você ser bom em tudo. Mas dá para ser ‘o cara’ em um trabalho específico”.  

Em uma atividade que envolve dezenas ou até milhares de profissionais dependendo do porte do jogo, é possível se enquadrar no mercado, superar as dificuldades e obter sucesso na avaliação dos professores. 

 Do sonho à realidade 

Videogame era uma das diversões de Ygor Serpa, 26, desde criança até hoje. Na adolescência, ele decidiu e tornou o entretenimento meta de vida. Desde o início do curso de Computação até o mestrado, ambos feitos da Unifor, ele direcionou a carreira ao desenvolvimento de jogos eletrônicos e, atualmente, trabalha no escopo de um projeto cearense: o Trajes Fatais

“Eu comecei a programar e estudar por contra própria ainda aos 13 anos, como meu irmão. Ele é mais velho, entrou na faculdade primeiro do que eu, mas também já entramos sabendo o que queríamos”, relembra sobre o período entre 2013 e 2017, na graduação, e entre 2017 e 2019, no mestrado. 

Ygor, hoje, é um dos programadores do jogo luta que está com 70% desenvolvido e envolve um grupo multidisciplinar para a composição da narrativa. No entanto, a atividade não ocupa 100% do tempo dele ainda. Como programador, ele trabalha com consultoria de projetos e simuladores para a indústria.  

Entre os desafios, ele aponta as etapas para criar um jogo eletrônico como principal desafio. Na fase 1, existe a criação da ideia e as referências dela. A 2 é a validação do protótipo. “Em geral, o pessoal descobre que não é tão fácil e desiste aí. Passou daqui, talvez dê certo”, comenta. Em seguida, vem o desenvolvimento, que leva de 1 a 3 anos.  

Fora dessa dinâmica ainda há a captação de investidores, divulgação e negociação para tornar o game viável economicamente, que demonstram os outros desafios da realidade brasileira. “Nosso mercado tem dois principais gargalos. Primeiro, o cultural, pois não existe isso de arte como carreira. Só depois que o cara deu certo é que as pessoas reconhecem como profissional da área. Segundo, o financeiro, porque não temos um mercado desenvolvido e isso dificulta quem está começando”, aponta. 

No entanto, ele aponta a realização pessoal e o pioneirismo local como excelentes motivadores para seguir no jogo.