Entenda o que é o PL das Fake News e por que tem gerado polêmicas no Brasil

seg, 22 maio 2023 18:15

Entenda o que é o PL das Fake News e por que tem gerado polêmicas no Brasil

Projeto de lei propõe regulação das atividades das big techs de informação no país


Um dos objetivos do projeto de lei é prevenir e combater a disseminação de conteúdos falsos (Foto: Getty Images)
Um dos objetivos do projeto de lei é prevenir e combater a disseminação de conteúdos falsos (Foto: Getty Images)

Acessar as redes sociais e ser impactado por conteúdos que trazem informações falsas se tornou algo comum no mundo inteiro, mas que assumiu um cenário ainda mais intenso e complexo no Brasil. Prova disso é que o tema foi parar no Congresso Nacional.

Diante da possibilidade de disseminação em massa de desinformação, pânico e ideias antidemocráticas nas plataformas digitais, parlamentares propuseram a regulação dessas mídias por meio do Projeto de Lei 2.630/2020, ou PL das Fake News, como ficou popularmente conhecido.

Levantando opiniões antagônicas, o assunto influencia diretamente o futuro das atividades das redes sociais e do acesso à informação no país. Em meio às discussões, a reação das grandes empresas de tecnologia dominantes no mercado, e principais afetadas, sobre o tópico também vem gerando polêmicas.

Contexto e medidas

Tramitando no Congresso desde 2020, o PL das Fake News ganhou ainda mais relevância após os ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília no início do ano e, mais recentemente, às creches e escolas pelo país.

A proposta de regulação institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, criando medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais, como Facebook e Twitter, e nos serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram. Serviços de uso corporativo e e-mail não estão inclusos na proposta.


O senador Alessandro Vieira é o autor do Projeto de Lei 2.630/2020 (Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

As medidas valerão para plataformas com mais de dois milhões de usuários, inclusive estrangeiras, desde que ofereçam serviços ao público brasileiro. De autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o projeto já foi aprovado pelo Senado e aguarda votação na Câmara dos Deputados.

Limites democráticos

O PL das Fake News está envolto em muitas polêmicas. Uma delas diz respeito à liberdade de expressão. Enquanto parte da população concorda com o monitoramento do que é exposto na internet — a fim de evitar a proliferação de conteúdos discriminatórios, falsos e até criminosos —, há outra que se preocupa com a possibilidade de censura e ameaça à liberdade de expressão.

Para Martônio Mont’Alverne, docente da graduação em Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional (PPGD) da Universidade de Fortaleza, há uma questão primordial entre os assuntos abordados pelo projeto. O professor cita Norberto Bobbio, pensador liberal que acreditava que “a democracia é um sistema de limites: culturais, econômicos, políticos e sociais”.

“Na minha avaliação, o ponto mais relevante é o limite de ganhos financeiros com tragédias, escondido no discurso de liberdade de manifestação de pensamento. Basta que olhemos um passado recente, no século XX, para constatar a que pode conduzir a ausência de limites democraticamente impostos”, acrescenta.


“Não há como se permitir que os discursos de ódio sejam utilizados para ganhos financeiros, sem respeitos aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, ao pluralismo e à tolerância”Martônio Mont’Alverne, pós-doutor em Direito e docente da Unifor

Influência das big techs na opinião pública

Martônio acredita que as big techs (termo que engloba as grandes empresas de tecnologia) são movidas por interesse econômico e poder político, este decorrente da manutenção da informação sobre as sociedades.

Segundo ele, tal fato se prova pela resistência em identificar às autoridades brasileiras os nomes dos responsáveis por mensagens e páginas que abrigam grupos supremacistas raciais e até planejam ações violentas.


Big techs de informação, como Google e Telegram, têm tomado atitudes polêmicas contra o projeto de lei (Imagem: REUTERS/Andrew Kelly/Divulgação)

Para o docente, o posicionamento dessas empresas contra o projeto – explicitamente demonstrado por meio de anúncios feitos pelo Google com conteúdo negativo sobre o PL e por mensagem divulgada no canal oficial do Telegram, incentivando o público a “falar com seu deputado” contra o projeto — são provas de que as empresas não estão abertas ao debate de ideias. 

“Acaso estivessem as big techs sinceramente dispostas à discussão sobre o PL 2630, não teriam postado notícias apenas contrárias ao PL; teriam aberto para posições favoráveis. O que não foi feito”, observa Mont’Alverne. 

Importância da regulação

Segundo Katia Patrocínio, docente da graduação em Jornalismo da Unifor, as fake news se espalham com muita facilidade, por isso se faz necessária uma proposta de regulação. “Na minha opinião, elas têm responsabilidade, sim, por aquilo que permitem ser divulgado”, declara a jornalista sobre a atividade das big techs.

Ela afirma que alguns grupos econômicos podem se sentir “ofendidos” por terem os próprios interesses atingidos, porém “é importante que eles percebam o compromisso que têm com a sociedade, e que esse compromisso passa muito pelo cuidado que devem tomar com as coisas que são divulgadas”.


“É importante ter uma regulação, e o projeto, na minha opinião, vem com essa proposta. A partir do momento em que deixamos as coisas muito livres, podemos causar um problema imenso na sociedade no que diz respeito à própria questão da divulgação da informação”Katia Patrocínio, docente do curso de Jornalismo da Unifor

Liberdade de expressão

Quanto aos questionamentos sobre liberdade de expressão levantados por opositores ao projeto de lei, Kátia propõe uma reflexão sobre o tema. Segundo ela, a restrição começa no momento em que as empresas de comunicação decidem o que deve ou não ser divulgado a partir dos próprios interesses.

“O que é mesmo essa questão de restringir a liberdade? Será que isso já não acontece no cotidiano a partir do momento em que se define o que vai ou não ser noticiado e como essas notícias serão trabalhadas? Eu penso que restrição à liberdade nós já temos”, reflete.


A liberdade de expressão é um dos tópicos na discussão sobre o PL das Fake News (Foto: Getty Images)

Além do jornalismo, a educação também exerce um importante papel no acesso à informação de qualidade, conforme explica Kátia. Para ela, é o ensino que auxilia tanto na compreensão do conhecimento, quanto  na possibilidade de o receptor exigir que seus direitos sejam respeitados. “O compromisso com a informação, com a formação, e com a educação são coisas que estão intimamente ligadas. Não tem como separar”, pontua.

Para a professora, o PL 2.630/2020 não interessa apenas a quem está de olho nas fake news, pois todas as pessoas são prejudicadas quando recebem notícias falsas. “Tivemos prova disso nos últimos anos. É algo que afeta a sociedade, afeta o ser humano”, conclui.