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Ter, 27 Dezembro 2022 15:10

Entrevista Nota 10: Aline Rocha e o direito à cidade como ferramenta de inclusão e desenvolvimento social

Na Entrevista Nota 10 desta semana, Aline Rocha fala sobre direito à cidade, movimentos sociais, ação coletiva e ciberativismo


Aline Rocha é doutora e mestre em Sociologia e docente da Universidade de Fortaleza (Foto: Acervo pessoal)
Aline Rocha é doutora e mestre em Sociologia e docente da Universidade de Fortaleza (Foto: Acervo pessoal)

Longe das manchetes diárias dos jornais cearenses, há uma luta pelo direito à cidade sendo travada todos os dias, que cresce e encontra voz nas redes sociais dos fortalezenses por meio do ciberativismo. Apesar de estabelecido na Constituição Federal de 1988 e regulamentado no Estatuto da Cidade, esse direito está cada vez mais distante de sua real efetividade, ante os processos históricos e a crescente especulação imobiliária, que tratam a terra como mercadoria e transformam a configuração metropolitana, fortalecendo desigualdades.

O interesse pelo direito à cidade e as discussões sobre espaço urbano (culturais e simbólicas) como condições de existência, moradia, formas de sociabilidade e acesso a serviços básicos surgiram na vida acadêmica de Aline Rocha no mestrado em Sociologia na Universidade Federal do Ceará (UFC). O interesse continuou no doutorado e, agora, perpassa a docência, no Centro de Ciências Tecnológicas (CCT) da Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz

Hoje, ela pesquisa e compartilha com os discentes conhecimentos sobre movimentos sociais urbanos, ação coletiva, antropologia urbana, cibercultura, entre outros. Em seus trabalhos mais recentes, a docente e pesquisadora discutiu o direito à cidade a partir do caso da Resistência Vila Vicentina, encabeçado por moradores da Vila Vicentina da Estância, localizada no Dionísio Torres, bairro da capital cearense. Lá a luta pelo direito à cidade é constante. 

Confira a entrevista na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 – Como surgiu seu interesse em estudar e pesquisar os movimentos sociais urbanos, ações coletivas e o direito à cidade? 

Aline Rocha – Desde que iniciei o mestrado em Sociologia, em 2008, participo do Laboratório de Estudos da Cidade, no departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC). Discussões que perpassam direta ou indiretamente o espaço urbano — tanto culturais, quanto simbólicas — como condições de existência, moradia, trabalho, formas de sociabilidade e acesso a serviços básicos vêm fazendo parte do conjunto de abordagens e análises que interpelam o campo das ciências sociais e a mim especialmente. Isso me ajudou a definir campos de interesse que dialogam com essas questões.

Entrevista Nota 10 – Como esses temas se encontram nas suas publicações?

Aline Rocha – Minha trajetória nas Ciências Sociais, desde a graduação, passando pelo mestrado e o doutorado, possibilitou construir e acessar um referencial potente, que auxilia a explicar muitas questões pertinentes às necessidades coletivas. Os movimentos urbanos não estão descolados das inúmeras carências que a população enfrenta. Vivemos em uma cidade cuja desigualdade é um adjetivo perverso e nos encontramos lado a lado com manifestações explícitas da ausência de moradia digna, de acesso ao lazer, ao saneamento, a equipamentos culturais e a tantos outros elementos que ajudam a construir o que se conhece por direito à cidade. 

As publicações comunicam o resultado de um trabalho que vem sendo realizado em conjunto com as pessoas que participam das pesquisas, estudantes, colegas, professoras e professores. Na academia, as publicações possuem papel fundamental em fazer o conhecimento circular e chegar em quem precisa se articular, se organizar e participar ativamente, conhecendo experiências de cidades diversas.

Entrevista Nota 10 – Qual a importância da preservação do patrimônio histórico na luta pelo direito à cidade? 

Aline Rocha – O patrimônio histórico e cultural das cidades é um elemento condicional da existência e da experiência urbana. Ele se vincula necessariamente à nossa identidade. Quando a experiência urbana se fragmenta, se empobrece, acabamos por promover um "esquecimento coletivo" do patrimônio, que oferece sustentação à memória de cidade, de vivência urbana. 

Tivemos e temos em nossa cidade algumas ações coletivas que são exemplares nessa luta, como o movimento em prol da Praça Portugal, do Náutico, da Vila Vicentina, etc. O vínculo da população com espaços de referência, de memória e de vivência é o eixo estruturante dessas ações. É por meio dele que a noção de pertencimento se estabelece. É claro que estar sensível a isso não é o mesmo que alimentar uma visão romantizada do passado e do patrimônio, nem negar ou apaziguar conflitos, mas perceber o quanto os lugares atravessam nossa experiência. O singelo diálogo: "de onde você é? Sou de Fortaleza, sou de Messejana, do Montese, da Parangaba…" é revelador de inúmeros elementos de identificação. Todos eles têm o potencial de embasar lutas pela preservação do patrimônio e de  memórias compartilhadas e, por sua vez, do direito à cidade.

Entrevista Nota 10 – As mudanças tecnológicas e culturais, impulsionadas pelo boom da internet e das redes sociais nos últimos anos, ampliou o ativismo social e político no ciberespaço. Esse fenômeno é conhecido como ciberativismo. De que forma ele pode ajudar as pessoas envolvidas em disputas territoriais? 

Aline Rocha – Nos anos 2000, a web 2.0 foi uma geração definidora do potencial interativo da rede mundial, redimensionando padrões de sociabilidade, de expressões e de comunicação em escalas até então inéditas. Na esteira dessas transformações, nos anos 2010, a primavera árabe e outros movimentos de larga escala, realçaram significativamente o potencial da rede como instrumento em favor da ação coletiva. Os usos sociais da rede são múltiplos e têm tido desdobramentos que vão além de entretenimento e consumo. Trata-se de um instrumental relevante para construir visibilidade e pôr em evidência causas locais. Lançar mão de recursos da internet têm sido onipresente na organização e mobilização da ação coletiva, e seus usos se combinam a outras estratégias, sendo válido para fortalecer disputas, reivindicações, contestações e articulações com pautas variadas.

Entrevista Nota 10 – Com base nas análises feitas por você nos últimos anos ao estudar a resistência da Vila Vicentina, em Fortaleza, quais recursos e estratégias de ação no ciberespaço se mostraram efetivas na luta daquelas pessoas pela moradia?

Aline Rocha – O caso da Vila Vicentina é exemplar para se perceber alguns usos da internet em repertórios de ação coletiva. A publicação de perfis em redes sociais digitais como Facebook e Instagram contribuiu para explicitar a situação vivida pelos moradores, o conflito envolvendo a disputa pelo local e a trajetória do lugar. Além disso, a atuação nas redes serve para divulgar as ações realizadas na Vila, ampliando redes de apoiadores e o alcance de sua mobilização. A internet também teve protagonismo nas ações iniciais do movimento, sobretudo quando algumas casas da Vila foram demolidas ilegalmente. Essa ação, divulgada em páginas do Facebook, teve impacto considerável na atuação da Resistência Vila Vicentina, que não abriu mão da internet como ferramenta de visibilidade, denúncia e mobilização.

Entrevista Nota 10 – Professora, você conta com uma formação na área de Sociologia e Ciências Sociais. No entanto, na Unifor, é vinculada ao Centro de Ciências Tecnológicas, ampliando o seu escopo científico para as áreas de ciberespaço, ciberativismo, cibercultura, educação e novas tecnologias, além de ser docente da rede de educação básica da Secretaria de Educação do Estado do Ceará (Seduc-CE). Como essa mescla de conhecimentos distintos contribui para a formação dos alunos que encontra nas salas de aula? Isso reflete no estudo de temas importantes, como memória, identidade e patrimônio?

Aline Rocha – O espectro de atuação de cientistas sociais (Antropologia, Sociologia e Ciência Política) me permite transitar por diferentes campos do conhecimento. São áreas que oferecem fundamento às mais diversas atividades e profissões. Meu vínculo com o Centro de Ciências Tecnológicas da Unifor veio a partir da filiação à sociologia urbana, em que colaborei com o curso de Arquitetura e Urbanismo e, mais recentemente, com os cursos de Ciência da Computação e Análise e Desenvolvimento de Sistemas. 

Além disso, a experiência em pesquisa me habilitou a atuar nas áreas de metodologia e investigação científica. Essa trajetória foi solidificando minha contribuição, cruzando-se com o serviço público na Secretaria de Educação do Ceará, onde levo a Sociologia ao ensino médio. Em síntese, as Ciências Sociais mobilizam um conjunto de saberes a serviço da transformação e da superação de problemas vividos individual e coletivamente. O que levo para a sala de aula, em diferentes níveis e expertises, é o interesse por esse movimento e a beleza que é poder acompanhar a transformação de quem aprende e é capaz de promover mudanças necessárias, seja no planejamento urbano, na implementação de políticas públicas ou na concepção de tecnologias que promovam inclusão e desenvolvimento social.