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Seg, 15 Maio 2023 17:53

Entrevista Nota 10: Bruno Bastos e o direito ambiental na causa indígena

Mestre em Direito Constitucional, ele aponta a importância da conscientização sobre a luta pelos direitos indígenas e ambientais, além de comentar sobre a situação atual dessas pautas


Graduado em Direito pela Unifor, ele possui pós-graduação em Direito Civil (Foto: Ares Soares)
Graduado em Direito pela Unifor, ele possui pós-graduação em Direito Civil (Foto: Ares Soares)

Formada por diversas etnias, a população indígena no Brasil se faz presente em todo o território nacional, registrando um contingente com cerca de 900 mil pessoas segundo o Censo Demográfico realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Por ser considerada uma comunidade minoritária no país, muitas de suas pautas e lutas não costumam receber a atenção devida tanto na mídia quanto na sociedade. No entanto, apoiar a causa dos povos originários é um movimento necessário para não só compreender nossa identidade enquanto nação, mas também garantir que os direitos deles sejam respeitados.

“É preciso conscientizar a população não-indígena de que há uma variedade muito abrangente de vários povos indígenas e de que eles podem compartilhar uma cultura e uma história diferente da visão eurocêntrica, apregoada atualmente”, explica Bruno Costa Bastos, mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, mantida pela Fundação Edson Queiroz.

A mudança legislativa do então “Dia do Índio” para o Dia dos Povos Indígenas (19 de abril), por exemplo, é resultado dessa compreensão. Teve como intuito valorizar a diversidade e a ancestralidade dos povos originários do país, respeitando a nomenclatura com a qual se identificam e corrigindo o termo pejorativo ao qual eram referidos.

No entanto, a troca de nome é apenas um passo em direção a uma transformação mais ampla de mentalidade em relação aos povos originários. Para Bruno, espaços culturais, utilizados como instrumentos de aprendizagem e discussão, servem para preservar a história indígena e divulgar sua cultura esquecida pela sociedade.

Egresso do curso de Direito da Unifor, o advogado possui pós-graduação em Processo Civil e vem buscando se especializar em Direito Ambiental — pauta que anda de “mãos dadas” com a existência e resistência dos povos originários. “É através da divulgação e da propaganda que se incentiva a discussão”, afirma ele.

Na Entrevista Nota 10 desta semana, Bruno Bastos aponta a importância da conscientização sobre a luta pelos direitos indígenas e ambientais, além de comentar sobre a situação atual dessas pautas.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 – Qual a importância de líderes como Ailton Krenak e Sônia Guajajara para sensibilizar a população não indígena sobre questões ligadas aos povos originários?

Bruno Bastos – As lideranças indígenas são importantes para alertar e mobilizar a população não-indígena em face das ações hostis ao meio ambiente e à cultura dos povos originários, haja vista que são eles que estão sendo afetados pela exploração de minérios em áreas sensíveis, como a dos Ianomâmis, ou com a construção de represas, como a de Belo Monte.

Entrevista Nota 10 – Considerando o contexto brasileiro, um país marcado profundamente pela cultura indígena, qual é a importância de trabalhar o tema nas universidades?

Bruno Bastos – É importante que as universidades tomem ciência de que o direito dos povos originários está consagrado na Constituição Federal e que é dever do Estado a sua demarcação e proteção contra os garimpeiros e madeireiros ilegais existente na região, assim como aproximar os alunos e professores das culturas indígenas existentes em todo o país, de modo que entendam a diversidade de povos e suas culturas.

Entrevista Nota 10 – Você acredita que as pautas indígenas podem avançar com a criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI)? 

Bruno Bastos – Com a criação do MPI, comandada pela deputada indígena maranhense Sônia Guajajara, a pasta se destina a recriar órgãos extintos em 2019 e reorganizar a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que foi enfraquecida no governo anterior. Em relação às pautas indígenas, a principal delas consiste na demarcação de terras, que já deveriam ter sido consolidadas desde a Constituinte de 1988. Considerando o desmonte dos órgãos de fiscalização ambiental durante a gestão anterior de Bolsonaro e o aumento da influência da bancada ruralista no congresso, as pautas da pasta podem ficar comprometidas se não houver uma boa articulação e parceria com o Congresso Nacional.

Entrevista Nota 10 – O Direito Ambiental visa defender o meio ambiente e a qualidade de vida da coletividade com especial atenção aos povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Como esses povos, com a ajuda do Direito Ambiental, têm se articulado no enfrentamento às empresas que causam grandes desastres ambientais como, por exemplo, no caso do rompimento da barragem em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019?

Bruno Bastos – A luta dos povos originários está evidente nas suas ações para evitar futuros desastres ambientais, mesmo que os povos indígenas constituam uma parcela minoritária no Brasil. A necessidade de preservar o meio ambiente faz com que eles sejam bastante ativos no que diz respeito à proteção de 80% da biodiversidade. O respeito à natureza faz com que esses povos sejam os principais responsáveis pela restauração de florestas e recursos naturais. Em 2021, os povos indígenas Apurinã, Paumari e Jamamadi Deni, que vivem em seis terras indígenas no sul e sudoeste do Amazonas, contribuíram para evitar a emissão de 228 mil toneladas de carbono, segundo o relatório da quantificação de carbono das atividades do projeto raízes do purus.

Entrevista Nota 10 – Estamos assistindo diariamente à crise humanitária que assola o Território Indígena Yanomami. Em pleno 2023, esses povos originários estão sofrendo com falta de acesso a alimentos e serviços de saúde, além de atividades garimpeiras ilegais que ameaçam a região. Isso posto, como o Direito Ambiental pode trabalhar, discutir e apoiar a causa do povo Yanomami?

Bruno Bastos – Atualmente, a situação dos Ianomâmis é uma tragédia sem precedentes. É clarividente tal cenário de degradação ambiental quando nos deparamos com as práticas mineradoras e o garimpo ilegal trazendo a contaminação química por metais pesados do meio ambiente com relação ao mercúrio para os Ianomâmis.

Na perspectiva jurídica, o Direito Ambiental trata a Floresta Amazônica Brasileira, o Pantanal Mato-Grossense, a Serra do Mar e a Zona Costeira como patrimônios nacionais, devendo a sua utilização assegurar a preservação do meio ambiente e dos recursos naturais segundo o artigo 225, §4° da Constituição. Porém, isso não tem sido o suficiente para barrar a destruição do meio ambiente. Dessa forma, o Direito Ambiental deve atuar por meio de uma ação fiscalizatória dos órgãos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Polícia Federal e da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) para impedir e coibir abusos e exploração ilegal nas terras.

Entrevista Nota 10 – Trazendo essa questão para o Ceará, como o Direito Ambiental tem contribuído para resolver ou amenizar o drama de grupos indígenas, como os tapebas e tremembés, e quilombolas — como as comunidades do Cumbe, em Aracati, e Caetanos de Cima, em Amontada?

Bruno Bastos – No Estado do Ceará, a pauta mais decorrente dos últimos anos está na demarcação das terras. O Ministério dos Povos Indígenas é inédito para as comunidades, como os grupos dos tapebas e tremembés, que têm sua situação em processo de regularização bem encaminhada. Já os quilombolas no Ceará têm sua situação em fase de identificação pela Funai. Da situação dos quilombolas nas comunidades do Cumbe ou  de Caetanos de Cima, não obtive muita informação, porém são grupos vulneráveis que precisam muito da assistência do Estado em relação à regularização de suas terras.