null Entrevista Nota 10: Tarsilinha do Amaral e o legado da gigante do modernismo brasileiro

Seg, 20 Março 2023 12:16

Entrevista Nota 10: Tarsilinha do Amaral e o legado da gigante do modernismo brasileiro

Sobrinha-neta de Tarsila do Amaral, a museóloga fala sobre o trabalho de curadoria com a obra da artista e a presença da tia na exposição “ELAS — De Musas a Autoras — Unifor 50 anos”


Ela é palestrante especializada na vida e na obra de Tarsila e pontua a influência da modernista nas artes produzidas por mulheres brasileiras (Foto: Bob Wolfenson)
Ela é palestrante especializada na vida e na obra de Tarsila e pontua a influência da modernista nas artes produzidas por mulheres brasileiras (Foto: Bob Wolfenson)

Uma das figuras centrais do Modernismo no Brasil, Tarsila do Amaral criou um estilo próprio e ousou para além de seu tempo, dando vez e voz a uma arte genuinamente brasileira. Seu quadro “Abaporu” (1928), por exemplo, inaugurou o movimento antropofágico nas artes plásticas. Mesmo após sua partida, a história e influência da artista segue viva, especialmente por meio dos trabalhos de memória e curadoria — como os que são realizados por Tarsilinha do Amaral, sua sobrinha-neta.

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e museóloga pelo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP), ela é palestrante especializada na vida e na obra de Tarsila, com quem conviveu até os oito anos. Cuidou do legado da tia-avó, elevando seu nome no meio acadêmico e impulsionando o reconhecimento da pintora no Brasil e no mundo.

Tarsilinha é autora de diversos livros sobre a modernista, dentre eles “Tarsila por Tarsila” (2004) e “Abaporu: uma obra de amor” (2015). Foi responsável pela realização de diversas curadorias e consultoria de exposições, como “Tarsila – Percurso Afetivo” no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro. A mostra de 2012 teve recorde de público, com mais de 220 mil visitantes, e recorde mundial de público em um dia de exposição. A museóloga ainda viabilizou a exposição “Tarsila – Inventing Modern Art in Brazil” no The Art Institute of Chicago, em 2017, e no Museum of Modern Art (MoMA) de Nova Iorque, em 2018.

Na Entrevista Nota 10 desta semana, conversamos com Tarsila sobre o trabalho de curadoria com a obra da sua tia-avó e a presença da pintora na exposição “ELAS — De Musas a Autoras — Unifor 50 anos”, além de pontuar a influência da modernista nas artes produzidas por mulheres brasileiras. 

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — Carregando o nome homônimo e sendo sobrinha-neta, é inegável a presença e influência de Tarsila do Amaral em sua vida. Mas qual foi o momento-chave que te fez decidir trabalhar com arte?

Tarsilinha do Amaral — Sempre gostei de arte. Claro, tive o privilégio de ainda ver muitas coisas na casa da minha tia, muitas das pinturas e dos trabalhos dela, e isso sempre permeou a minha vida. Mas foi há mais de 20 anos que comecei a pensar nisso. Primeiro escrevi e publiquei um livro, chamado “Tarsila por Tarsila”, uma biografia sobre ela. Na época, eu não tinha nenhuma formação, mas era uma vontade minha de contar um pouco mais sobre a vida pessoal da minha tia. Então fiz esse livro e já comecei a pensar nisso. Meu pai era quem cuidava das autorizações, e eu passei a ter algumas ideias. A primeira coisa que fiz foi um site, foi quando iniciei a mudança. Aliás, a minha profissão era professora de educação, eu montava e dava aula — ainda faço isso um pouco —, mas aí comecei realmente essa mudança para trabalhar com arte e com a minha tia-avó

Entrevista Nota 10 — Além das pinturas, o acervo de Tarsila também se expandiu para outras mídias, contando com livros – como “Tarsilinha e as Cores” e “Abaporu: Uma Obra de Amor”, escritos por você –, exposições interativas, músicas e até um filme, o longa-metragem de animação “Tarsilinha”. Como o trabalho de uma artista pode se desdobrar em novos produtos e iniciativas para alcançar diferentes públicos, mas ainda mantendo sua essência? 

Tarsilinha do Amaral — Ao longo do tempo em que fui trabalhando, comecei a ter ideias para realizar alguns produtos. Sempre ia visitar museus fora do país, saía de lá ou de alguma exposição e sempre havia uma loja com artigos. Pensei em fazer igual aqui para minha tia, mas não tinha isso no Brasil há 20 anos. Então fui abrindo espaço: primeiro escrevendo livros; pensando em exposições — claro, isso sempre foi importante — aqui no Brasil e fora do país; e pensei muito no público infantil e infantojuvenil. Falei “Bom, aqui é o nosso futuro” e elaborei essas exposições [interativas] para crianças, demorou bastante para conseguir fazer. Até mesmo o filme “Tarsilinha” demorou muito, foi uma produção muito grande, muito cara.

Aos poucos, tudo que fui pensando fui conseguindo fazer. E, claro, as coisas foram concomitantes. Conforme aumentava o sucesso e reconhecimento dela como artista, foi-se abrindo portas para licenciamentos, filmes e mais exposições, aqui no Brasil e fora dele. Veio de uma engrenagem de coisas que foram pensadas e que consegui ir realizando. Claro que, nesses últimos anos, com a grande exposição dela para o público brasileiro e mundial, ficou muito mais fácil fazer tudo o que eu sempre sonhei.

Entrevista Nota 10 — De que forma esse movimento pode estimular o acesso tanto à cultura quanto à obra de ícones tão importantes da arte brasileira? Acredita que essa estratégia é um meio eficiente de alcançar novos públicos?

Tarsilinha do Amaral — Com certeza! Por exemplo, o público tanto infantil quanto juvenil é o futuro do nosso país. Como estimular esse público? Tentando chegar mais perto da linguagem deles. Essas exposições que pensei usam tecnologia, o próprio desenho em 3D, são coisas que essa geração já está muito acostumada. E a interatividade, principalmente nas exposições para crianças e adolescentes, também faz o público chegar mais perto da arte de uma maneira geral. Então, que minha tia consiga também estimular o interesse dessas pessoas não só por ela, mas pela arte como um todo.

Entrevista Nota 10 – No último dia 16 de março, você participou da abertura da exposição “Elas – De Musas a Autoras, Unifor 50 anos”, que está em cartaz gratuitamente no Espaço Cultural da Unifor e tem como obra-símbolo a pintura “Figura (O Passaporte)”, de Tarsila do Amaral. Neste mês da mulher, como podemos analisar a influência das figuras femininas, como a da própria Tarsila, na mudança em representatividade de gênero dentro do mundo da arte ao longo dos anos? A interferência das mulheres no rumo da história reverbera de que forma nos tempos atuais? 

Tarsilinha do Amaral — Primeiro queria destacar a minha alegria de “O Passaporte” estar hoje na coleção da Fundação Edson Queiroz. É uma obra que foi muito importante na trajetória da minha tia, tendo sido a primeira a ser aceita no salão dos artistas franceses. Foi uma pintura que trouxe muito estímulo para ela dar continuidade ao trabalho como artista. E, poxa, estou muito feliz com o convite da Fundação para visitar a exposição e palestrar com a Denise Mattar, que é, além de grande amiga, uma historiadora que tenho a maior admiração.

As mulheres hoje estão realmente tendo um espaço muito grande nas artes, e isso está mudando muito o panorama dos museus e da arte mundial mesmo. A minha tia, é engraçado isso, ela e a Anita Malfatti tiveram um protagonismo muito grande aqui no modernismo brasileiro. Isso é uma coisa até um pouco diferente do que aconteceu no resto do mundo. Aí a gente já começa a ver como é bacana que o Brasil teve essas mulheres tão fantásticas. Isso também, com certeza, influenciou outras grandes artistas. Depois da Tarsila teve tantas artistas maravilhosas também: Lygia Clark, Lygia Pape, mais recentemente a Adriana Varejão, Beatriz Milhazes.

Com certeza minha tia tem uma importância na formação dessas artistas, e acho que a vida pessoal dela — mesmo a história dela como artista —, essa coragem, essa força que ela teve, esse rompimento com a sociedade da época também. Isso acaba sendo um grande exemplo para todas as mulheres e, claro, para todo mundo. Mas é a história de uma mulher que rompeu barreiras e que deve influenciar muitas mulheres hoje.

Entrevista Nota 10 — A pintura-símbolo da exposição foi recentemente adquirida pela Fundação Edson Queiroz (FEQ), reconhecida pelo seu extenso acervo de obras e pelo trabalho de incentivo e acesso à cultura no Ceará por meio de exposições gratuitas e programa de visitas escolares guiadas. Como museóloga, de que forma enxerga a atuação de instituições como a FEQ em promover o acesso gratuito e de qualidade à cultura?

Tarsilinha do Amaral — Acho que é maravilhoso ter uma Fundação como essa, uma família como essa, que estimula tanto as artes no Brasil. Tenho certeza que eles vão ser muito retorno de toda essa atuação no meio das artes. Claro, já são uma fundação e uma família reconhecidíssimas no país, mas creio que cada vez mais a gente tem que ter pessoas e famílias com essa bondade mesmo, de estar oferecendo uma parte do que eles ganharam de volta ao público. Acho lindo! Acontece muito fora do Brasil, e espero que sirva de exemplo também para outras famílias e entidades também fazerem o mesmo.