“Fios do Nordeste”: compadecidos e severinos (parte 2)

[...] E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica, vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida; mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida; como a de há pouco, franzina; mesmo quando é a explosão de uma vida Severina.
João Cabral de Melo Neto

 

Na primeira parte da série, vimos sobre o quanto se fala em questões sociais e elementos da cultura regional na literatura feita por personalidades nordestinas,  marcantes na segunda fase do movimento modernista no Brasil. Entretanto, essas temáticas se apresentam de várias formas, em outros contextos, com outras abordagens e tão impactantes quanto. De Maranhão, Paraíba e Pernambuco vieram  escritores que discorreram sobre as vivências de personagens nordestinas entre a tragédia e a comédia, no romance, no teatro e na poesia.

 4 Maranhão - Aluísio Azevedo

Nasceu em São Luís do Maranhão, em 1857. Pioneiro do naturalismo no Brasil, o jovem escritor influenciado pelo positivismo lança, aos 24 anos de idade, sua obra O mulato, que escandaliza a sociedade da época por retratar o preconceito racial da elite maranhense e pelo tom abolicionista.

Como um bom observador dos costumes e das relações interpessoais, sob a luz do desenvolvimento urbano e econômico das grandes cidades brasileiras, escreveu suas obras O cortiço e Casa de pensão (velhos conhecidos dos vestibulares no país), abordando as ações de sobrevivência humana diante das relações de poder e desigualdade social, que apareciam, paralelamente, nesse contexto de “progresso”.

É um imortal da Academia Brasileira de Letras, fundador da cadeira de número 4, que tem como patrono Basílio da Gama.

5 Paraíba - Ariano Suassuna

Suassuna nasceu na Cidade da Parahyba do Norte, atual João Pessoa, em 1927. Apesar de paraibano, Ariano Suassuna se acolheu em Pernambuco, desde 1942, onde estreitou laços sociais e políticos. A mudança se deu, principalmente pela morte de seu pai, João Suassuna, assassinado no Rio de Janeiro em 1930, resultado de rixa política na Paraíba.

A dor da perda precoce do pai permeou vida e obra de Ariano, como o mesmo deixa claro no seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras (leia na íntegra aqui). Herdou do pai o interesse pelo povo do sertão, o amor ao Nordeste, e a admiração por Euclides da Cunha.

Foi professor da Universidade Federal de Pernambuco e, com o apoio da instituição, idealizou o Movimento Armorial, que basicamente é um movimento que busca representar uma arte brasileira erudita a partir de elementos a cultura popular nordestina em todas suas manifestações artísticas, como a literatura, a música, o teatro, as artes plásticas, e etc. Ariano Suassuna considerava a Literatura de cordel a principal representação do movimento, pois a estética cordelista reúne as expressões populares na arte da poesia, da música e da xilogravura.

Sua obra de maior expressão, Auto da compadecida, peça dividida em 3 atos, aborda temas da tradição popular nordestina, cuja ações sociais e políticas se (con)fundem com elementos místicos e  transitam entre o sagrado e o profano, misturados à linguagem simples e uma boa comédia.

Suas obras têm alcance nacional, tendo sido tanto o Auto da Compadecida, quando sua outra grande obra, Romance d’a pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta, adaptados para o cinema e para a televisão.

É um imortal da Academia Brasileira de Letras, cadeira 32.

Indicador cultural: A Coleção Rachel de Queiroz da Universidade de Fortaleza possui um exemplar de Ariano Suassuna na Academia Brasileira de Letras, com dedicatórias de Suassuna à escritora cearense.

6 Pernambuco - João Cabral de Melo Neto

Nasceu em Recife, Pernambuco, em 1920. Poeta e diplomata, passou parte de sua vida fora do Brasil, mas não se desvinculou de suas raízes.

Exímio poeta, seus trabalhos flertam com o antilirismo: abrem mão de qualquer elemento romântico e sentimental para fazer poesia. Suas obras apresentam caráter objetivo e racional, com alto valor pela estruturação das palavras, que causam efeito de constante conflito.

Sua obra mais famosa  é Morte e Vida Severina, que aborda a dureza da vida enfrentada por retirantes, com esperança de vida melhor na capital. A exploração econômica, a fome, e a morte são tratadas de maneira racional e reflexiva, o que traz mais intensidade ao longo poema. Morte e Vida Severina foi adaptada para o teatro e para o cinema.

João Cabral de Melo é um imortal da Academia Brasileira de Letras, cadeira nº 37. Também foi o primeiro brasileiro a receber o Prêmio Camões de Literatura e o único brasileiro agraciado pelo Prêmio Literário Internacional Neustadt, considerado o “nobel americano”.

Indicador cultural: A Coleção Rachel de Queiroz da Universidade de Fortaleza possui um exemplar de O rio ou relação da viagem que faz o Capibaribe de sua nascente à cidade do Recife , com dedicatórias do autor à escritora cearense.


Confira as obras de Aluísio Azevedo, Ariano Suassuna e João Cabral de Melo Neto disponíveis no acervo da Biblioteca Central. Acesse pela Busca Integrada, no Unifor Online ou no Unifor Mobile.

Referências

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Aluísio Azevedo: biografia. Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/aluisio-azevedo/biografia. Acesso em: 10 out. 2020.

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Ariano Suassuna: biografia. Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/ariano-suassuna. Acesso em: 10 out. 2020.

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Ariano Suassuna: discurso de posse. Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/ariano-suassuna/discurso-de-posse. Acesso em: 10 out. 2020.

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. João Cabral de Melo Neto: biografia. Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/joao-cabral-de-melo-neto/biografia. Acesso em: 16 out. 2020.

BRANDINO, Luiza. João Cabral de Melo Neto. Brasil escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/joao-cabral-melo-neto-sua-engenhosidade-poetica.htm. Acesso em: 16 de Out. 2020.

GASPAR, Lúcia. Movimento Armorial. Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 2009. Disponível em: http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=696&Itemid=180. Acesso em: 10 out. 2020.

MIA Couto ganha o Prêmio Internacional Neustadt de Literatura. O Globo. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/mia-couto-ganha-premio-internacional-neustadt-de-literatura-10667724. Acesso em: 16 de Out. 2020.

 

 


Thailana Tavares - Bibliotecária do Setor de Processamento Técnico