“Fios do Nordeste”: versos de liberdade (parte 3 - final)

Um poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia
Resplandente, cadente, fagueira num calor girassol com alegria
Na geléia geral brasileira que o Jornal do Brasil anuncia
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi
Torquato Neto e Gilberto Gil

 

A forma como o nordestino faz da adversidade, arte, já ficou bem claro durante nosso trajeto até aqui. Na música, na narrativa, na poesia, no teatro… toda expressão artística é válida para ter voz ativa. E essa voz ressoou para além do regional, ecoando em uma só voz no país inteiro, num ato de identidade e pertencimento. Na derradeira parte da série "Fios do Nordeste", Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe apresentam artistas que quebraram regras, sociais e políticas, para ter suas vozes e suas lutas ouvidas.

7 Piauí - Torquato Neto

Nasceu em Teresina, ou Tristeresina (em suas palavras), em 1944. Desde muito cedo, manifestou interesse pela cultura nordestina, em especial à música e à literatura de cordel. Na sua passagem para estudos em Salvador, aos 16 anos de idade, Torquato se engaja ativamente na cena cultural que eclodiu na cidade soteropolitana, onde conhece Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Glauber Rocha, cena esta que se potencializa no Rio de Janeiro, onde um reencontro anos mais tarde, rende importantes composições para a música popular brasileira.

Foi um expoente do movimento tropicalista, movimento de vanguarda cultural que explorava as manifestações culturais e folclóricas brasileiras como uma forma de resistência ao conservadorismo e censura do regime militar.

Escreveu canções regravadas por Elis Regina (Veleiro), Edu Lobo (Pra dizer adeus), Gilberto Gil (Minha senhora), João Bosco (Fique sabendo), e outros grandes nomes da MPB.

O “poeta sem livros” era um escritor compulsivo, mas só teria suas obras publicadas postumamente, que consistem em reuniões de escritos inéditos, coletâneas dos seus poemas musicados e crônicas jornalistas.

Seu trabalho poético tem faces do ritmo cordelista, e faces da poesia marginal - uma marca dos movimentos de contracultura - fazendo de Torquato um dos principais nomes da “Geração mimeógrafo”. Suas poesias deram voz ao coro dos descontentes, trazendo temáticas da “cultura marginalizada” das grandes cidades. É possível perceber aspectos da linguagem coloquial urbana, temáticas sociais e políticas, alinhadas com outras formas de subverter a sacra estrutura da estrofe, do verso e da rima.

8 Rio Grande do Norte - Marize Castro

Nasceu em Natal, em 1962. Jornalista por formação, estreou no mundo da poesia em 1984, com seu livro Marrons crepons marfins, elogiado pela sua linguagem autêntica e original, e futuramente, tendo seus trabalhos traduzidos em outras línguas.

É considerada uma das mais importantes poetisas contemporâneas. Nos seus versos livres, simples e diretos, a voz da liberdade feminina, com seus prazeres, seu corpo, suas angústias e suas dores tomam o espaço do sentimentalismo romântico que, por vezes, os resumiram e silenciaram.

9 Sergipe - Mário Jorge

Nasceu em Aracaju, em 1946. É considerado o primeiro poeta concretista de Sergipe, sendo homenageado como seu nome em uma das principais avenidas da capital sergipana.

Ativista político no contexto de ditadura Militar, sua única obra em vida, Revolição, em formato de livro-envelope, foi motivo para sua prisão como justificativa de “atividades subversivas”.

Suas obras póstumas, tendo como exemplo Cuidado, silêncios soltos, reúnem escritos no estilo concretista, que, assim como a poesia marginal, rompe com a tradição lírica e estrutural poética, dando espaço para reações sensoriais para além do texto, principalmente visuais, com a disposição das palavras que, literalmente, dão forma ao texto de temáticas sociais, e um toque de esperança juvenil de dias melhores. Infelizmente, encontra-se escasso no mercado editorial a maior parte de suas obras.


Série "Fios do Nordeste" : Parte 1 | Parte 2 | Parte 3


Confira as obras e trabalhos sobre Torquato Neto e Marize Castro disponíveis no acervo da Biblioteca Central. Acesse pela Busca Integrada, no Unifor Online ou no Unifor Mobile.

Referências

ARAÚJO, Fernanda. Livro resgata memória do poeta sergipano Mário Jorge Menezes Vieira. F5 News. 2016. Disponível em: https://www.f5news.com.br/cotidiano/livro-resgata-memoria-do-poeta-sergipano-mario-jorge-menezes-vieira_33931/. Acesso em: 22 out. 2020.

BIOGRAFIA: o vôo de fogo do poeta terminal. Torquato Neto. Disponível em: https://www.torquatoneto.com.br/copia-copia-copia-copia-copia-ou. Acesso em: 20 out. 2020.

GONZAGA, Thiago. Marize Castro: 35 anos de poesia e de uma geração de poetas feministas. Papo cultura. Disponível em: https://papocultura.com.br/marize-castro-35-anos-de-poesia/. Acesso em: 20 out. 2020.

MIRANDA, Antônio. Mário Jorge. Disponível em: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/sergipe/mario_jorge.html. Acesso em: 22 out. 2020.

MORICONI, Italo (org.). Torquato Neto: essencial. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

SANTOS, André Luiz. Conheça um pouco sobre a história do poeta sergipano Mario Jorge.  Solutudo: a cidade em detalhes. 2019. Disponível em: https://conteudo.solutudo.com.br/aracaju/mario-jorge/. Acesso em: 21. out. 2020.

SANTOS, André Luiz. No Dia da poesia, escolhemos os principais nomes da poesia sergipana e suas obras. Solutudo: a cidade em detalhes. 2019. Disponível em: https://conteudo.solutudo.com.br/solutudo/poesia-sergipana/. Acesso em: 21 out. 2020.

VILAR, Sérgio. Poeta da semana: Marize Castro. Substantivo plural. 2020. Disponível em: http://substantivoplural.com.br/poeta-da-semana-marize-castro/. Acesso em: 21 out. 2020.