LGBTQIA+: a importância da leitura, da literatura e da biblioteca no combate ao preconceito

O Dia Internacional Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia é lembrado todos os anos, no dia 17 de maio. Sua existência representa um marco na luta do movimento LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queers, intersexo, assexuados e mais), uma vez que foi nesse dia que há 31 anos a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou da sua lista de doenças o “homossexualismo”. Além de não ser mais considerado uma doença, o termo perdeu o sufixo grego “-ismo” que “atribui à condição um caráter de patologia” (BARIFOUSE, 2018), e recebeu o sufixo “-dade” que é atribuído a uma característica, sendo, portanto, o termo correto “homossexualidade”. A transgeneridade, em 2018, também deixou a lista de transtornos mentais na versão mais atual da Classificação Internacional de Doenças, 11ª revisão, apesar de já ser um consenso na comunidade científica sua despatologização há alguns anos.

Datas como esta, bem como tantas outras lembradas também no mês de maio - Dia da Abolição da Escravatura, Dia do Trabalhador etc. - não existem à toa, tampouco estão no calendário somente com o intuito de “celebração”: elas representam um convite sutil à reflexão e à problematização de suas pautas.

A leitura, a literatura e a biblioteca no combate ao preconceito

A biblioteca, como uma instituição de democratização do saber, é um instrumento fundamental para a disseminação da informação de qualidade e pertinência em prol da sensibilização coletiva no que concerne à garantia de direitos políticos e sociais dos indivíduos, na caminhada para uma sociedade mais inclusiva, justa e igualitária. Nesse cenário, o bibliotecário é um agente essencial para mediar a construção de uma consciência mais humana. Conhecendo essa responsabilidade, conversamos com dois bacharéis em biblioteconomia, Lucas Carvalho e Eric Albuquerque, sobre a importância da biblioteca, leitura e da literatura no cenário de representatividade LGBTQIA+, e também elaboramos dicas de leituras sobre a temática.

Na perspectiva de Lucas, “o bibliotecário é um mediador de informação, e a mediação significa, também, auxiliar na formação dos usuários enquanto cidadãos. A LGBTfobia ainda é muito presente no nosso cotidiano, então ações como essa, de apresentar literatura LGBTQIA+ e fomentar debates sobre a comunidade, é importante para nos inserir nos espaços, e gradualmente desconstruir esses preconceitos”.

Enquanto leitor, conta sua experiência em relação à representatividade homoafetiva na literatura: “Eu fico muito feliz quando leio algo LGBTQIA+. No começo do milênio, livros com essa temática eram escassos, então eu não sabia onde ou como procurar/encontrar. E acho importante que hoje exista, ainda que muito pequena, uma produção acessível que nos traz o sentimento de representatividade. Tento trazer ao máximo essa representatividade nas coisas que produzo: faço fotos que representem  a nossa bandeira e até um livro eu já escrevi (mas ainda não publiquei)".

Corroborando com Lucas, Eric friza que “a representatividade LGBTQIA+ na literatura é importante tanto para normalizar relacionamentos afetivos além da heterossexualidade, como para que jovens LGBTQIA+ se reconheçam na ficção, para que não sintam que a sua forma de amar é errada, ou que a sua identidade de gênero é aquela imposta pela sociedade. A literatura tem o poder de transformar o leitor, ao apresentar outras realidades fora da sua bolha social. A presença de personagens LGBTQIA+ é uma forma de mostrar que fazemos parte da sociedade [...]”. 

De fato, é sabido que ser LGBTQIA+ na nossa sociedade ainda é um tabu, apesar dos avanços sociopolíticos e do diálogo democrático. E a literatura, assim como outras expressões artísticas, é indispensável não só para conscientizar os indivíduos, mas também para dar voz às minorias.

A literatura transformadora

“A literatura é o sonho acordado das civilizações. [...] Como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem literatura” (CÂNDIDO, 2004, p. 175, grifo nosso). Confiantes do caráter humanizador da leitura e da literatura, selecionamos alguns títulos com temáticas LGBTQIA+, com a intenção de reafirmar a importância da formação do leitor consciente para o respeito à diversidade.

1 - Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade, de João Silvério Trevisan. O livro traz o aparato histórico da homoafetividade no Brasil, sobre vários aspectos culturais - cinema, política, literatura etc. É considerado um material referencial sobre o tema.

2 - Amora, de  Natália Borges Polesso. A obra é uma coletânea de contos sobre relacionamentos amorosos lésbicos. O livro foi vencedor em duas categorias do Prêmio Jabuti (Escolha do leitor e Contos) e foi considerado uma das 44 obras que estão mudando o cenário LGBTQIA+ nos Estados Unidos, pela revista Oprah Magazine (AMORA..., 2020).

3 - Morangos Mofados, de Caio Fernando de Abreu. Publicado em 1982, é um livro de contos que narram as desilusões da geração que viveu a contracultura dos anos 70. “Entre os contos, destaco o ‘Terça-feira gorda’, que narra um encontro casual entre dois homens em uma festa de carnaval na praia. Eles se afastam da multidão para ficar e não percebem que foram seguidos por um grupo de homens que os espancam. Um triste retrato da homofobia que sofremos até hoje. O conto 'Natureza viva' mostra as angústias e medos de um rapaz  prestes a se declarar para seu amigo sem saber se será correspondido ou não”, pontua Eric.

4 - Ricardo e Vânia, de Chico Felitti. O livro é fruto de uma reportagem viralizou em 2017, feita pelo autor sobre a história por trás do personagem quase folclórico das ruas de São Paulo, o “Fofão da Augusta”. A obra conta a história real de Ricardo, um homem gay que saiu do interior de São Paulo, e passou a viver na capital, tendo momentos de glória como cabeleireiro de celebridades na década de 1980, e seu relacionamento com Vagner, que até então se entendia como homem gay, mas se descobriu transgênero, passando a ser conhecida como Vânia anos depois.

Confira "Morangos Mofados" e outras obras sobre a temática LGBTQIA+ no catálogo do acervo da Biblioteca Unifor, através da Busca Integrada, no Unifor Online. 

REFERÊNCIAS

AMORA, de Natalia Polesso, é apontada como uma das obras que estão mudando o cenário LGBT+ dos EUA. GZH, 12 de abril de 2020. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/livros/noticia/2020/04/amora-de-natalia-polesso-e-apontada-como-uma-das-obras-que-estao-mudando-o-cenario-lgbt-dos-eua-ck8qbtm9400pw01qwif6clz8x.html. Acesso em: 25 mai. 2021.

BARIFOUSE, Rafael. Como ser transgênero foi de 'aberração' e 'doença' a questão de identidade. BBC News, São Paulo, 30 de setembro de 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-44651428. Acesso em: 25 mai. 2021.

CÂNDIDO, Antônio. O direito à literatura. In: CÂNDIDO, Antônio. Vários escritos. 4. ed. São Paulo: Duas cidades, 2004. p. 169 - 191.

ENTENDA por que hoje é o dia internacional contra a homofobia e a transfobia. Folha de São Paulo, 17 de maio de 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/05/entenda-por-que-hoje-e-o-dia-internacional-contra-a-homofobia-e-a-transfobia.shtml. Acesso em: 25 mai. 2021.

FELITTI, Chico. "Fofão da Augusta? Quem me chama assim não me conhece". Buzzfeed, 27 de outubro de 2017. Disponível em: https://www.buzzfeed.com/br/felitti/fofao-da-augusta-quem-me-chama-assim-nao-me-conhece. Acesso em: 25 mai. 2021. 


Thailana Tavares - Bibliotecária do Setor de Processamento Técnico.
Colaboração de: Lucas Carvalho - Bacharel em biblioteconomia pela Universidade Federal do Ceará, com interesses em preservação de acervo, fotografia e curadoria. | Eric Albuquerque - Bacharel em biblioteconomia pela Universidade Federal do Ceará, com interesse nas áreas de formação do leitor e literatura brasileira.