Para além da Semana de 22 : o legado do movimento modernista brasileiro

No contexto de um Brasil rural que estava engatinhando no processo de industrialização, via-se uma movimentação para sua modernização: ascensão das fábricas nas cidades, êxodo rural, urbanização, miscigenação e acentuação das desigualdades sociais. Essa modernização tinha o retrato de um país que não cabia nas concepções romantizadas da burguesia cafeeira, que sustentava seu conservadorismo aos moldes clássicos da “belle époque” francesa e celebrava um nacionalismo escravagista. Urgia, em pleno centenário da independência, a necessidade de legitimação de uma identidade nacional puramente brasileira e revolucionária. Foi com essa premissa que nasceu o movimento modernista no Brasil, eternizado graças a uma movimentada semana de fevereiro de 1922, no Theatro Municipal de São Paulo.

Encabeçado, especialmente, pelo “grupo dos cinco” (Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade e Mário de Andrade), a princípio, as intenções do movimento modernista era romper com a estética clássica da arte, trazendo para a produção artística brasileira elementos do dadaísmo, cubismo, expressionismo e surrealismo. 

Ao longo da década de 1920 e 1930, os ditos modernistas se articularam em busca de uma preocupação mais voltada para legitimação nacional do movimento artístico: era preciso entender as manifestações culturais populares brasileiras para traçar o caminho para uma identidade artística nacional. A primeira fase do modernismo foi marcada pelo movimento antropofágico: digerir o que vem do exterior e absorver somente o essencial para uma releitura nacional das expressões artísticas.  Elementos folclóricos e a figura do cidadão “miscigenado” começam a aparecer nas representações das artes plásticas e na literatura, como é o caso das obras “Operários” de Tarsila do Amaral e “Macunaíma” de Mário de Andrade.

Entretanto, quando se fala da primeira fase do movimento modernista, é contraditória a ação de utilizar elementos vanguardistas importados para uma “releitura” nacional, tanto quanto ter como porta-vozes da identidade nacional popular personagens da aristocracia brasileira, enquanto o povo brasileiro continuava sendo coadjuvante de sua própria história. Essa reflexão partiu do próprio Mário de Andrade, 20 anos depois da Semana de Arte Moderna, em 1942, quando questionado sobre o legado do evento: “Meu aristocracismo me puniu. [...] Eu creio que os modernistas da Semana de Arte Moderna não devemos servir de exemplo a ninguém. Mas podemos servir de lição”. 

O legado movimento modernista, ousado à sua época, está presente não só na produção artística e literária brasileira ao longo dos anos —  especialmente nas outras duas gerações do movimento, bem mais fieis à busca da brasilidade —  como na música, em especial os movimentos da Tropicália e da contracultura, que sustentavam a concepção de ruptura com a tradição.

O movimento modernista, foi, na sua essência, um componente fundamental para a na formação de uma consciência social para a importância da democratização e da preservação da cultura e da produção artística brasileira, apesar das contradições naturais de uma perspectiva histórica. 

É preciso sair da bolha, pensar sob uma nova perspectiva, e buscar o novo para agregar, incluir, diversificar. Cem anos depois, o movimento ainda carrega o desafio da renovação. 

O modernismo brasileiro é, de fato, “a semana que não terminou”.

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Referências

RUY, José Carlos. A severa autocrítica de Mário de Andrade. Vermelho, [S.l.], 2 de março de 2020. Disponível em: https://vermelho.org.br/prosa-poesia-arte/jose-carlos-ruy-a-severa-autocritica-de-mario-de-andrade/. Acesso em: 18 fev. 2022.

SOUZA, Roberta. Qual a herança modernista para as políticas culturais cem anos depois da Semana de 22? Diário do Nordeste, Fortaleza, 15 de Fevereiro de 2022. Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/verso/qual-a-heranca-modernista-para-as-politicas-culturais-cem-anos-depois-da-semana-de-22-1.3192886. Acesso em: 18/2/2022.

SEMANA DE 22 - BEM MAIS QUE O MODERNOSO. Rupturas e legados. [S.l.]. CNN Brasil. 14 de fevereiro de 1922. Podcast. Disponível em: https://podcasts.google.com/. Acesso em: 18 fev. 2022.

TV CULTURA. Semana de Arte Moderna. Youtube, [20??]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LdO_ebONK9I. Acesso em: 18 fev. 2022.


Thailana Tavares — Bibliotecária do Setor de Processamento Técnico