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Seg, 10 Abril 2023 16:04

Entrevista Nota 10: Danielle Pessoa e o cuidado com foco no envelhecimento

Especialista em Geriatria e Gerontologia, a médica explica a importância de estudos sobre a área e a ligação entre etarismo e qualidade de vida de pessoas idosas, além de pontuar as necessidades de acolhimento dessa população


A professora de Medicina da Unifor é mestre em Saúde Coletiva e doutora em Ciências Médicas (Foto: Arquivo pessoal)
A professora de Medicina da Unifor é mestre em Saúde Coletiva e doutora em Ciências Médicas (Foto: Arquivo pessoal)

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o contingente de pessoas idosas no país aumentou drasticamente nos últimos anos, chegando a 14,7% da população — o equivalente a 31 milhões de indivíduos. Com o aumento da longevidade, além de outros fatores, essa tendência não é exclusiva ao Brasil.

“As pessoas de hoje vivem mais tempo do que as gerações anteriores. Em todo o mundo, o número de adultos com mais de 60 anos atingirá dois bilhões em 2050 e constituirá mais de 20% da população mundial”, explica a médica geriatra Danielle Pessoa Lima, professora do curso de Medicina da Universidade de Fortaleza, instituição de ensino da Fundação Edson Queiroz.

Graduada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Danielle é mestre em Saúde Coletiva pela Unifor e doutora em Ciências Médicas pela UFC. Possui formação em Clínica Médica pelo Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo e em Geriatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Ela é especialista em Geriatria e Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, tendo ainda sido professora substituta de geriatria na UFC. Atualmente trabalha também como geriatra do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) da UFC, ligado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH).

Na Entrevista Nota 10 desta semana, Danielle explica a importância de estudos sobre gerontologia e geriatria, discute a ligação entre etarismo e qualidade de vida de pessoas idosas, além de pontuar as necessidades de acolhimento dessa parcela da população.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 – Professora, poderia contar como se interessou pela área de pesquisa acadêmica e atuação profissional na qual está hoje? O que te levou a estudar o envelhecimento humano?

Danielle Pessoa – Desde criança sentia um carinho e zelo pelos meus avós. Aquele sentimento me fazia dizer para todos que queria ser médica para cuidar deles e cuidar dos meus pais quando estivessem na mesma condição. Queria postergar ao máximo a ideia de vê-los adoecer e morrer. Esse sentimento me fez decidir pela geriatria na universidade, quando ainda não havia a disciplina na minha graduação nem residência para geriatria no Ceará.

Entrevista Nota 10 – Poderia explicar as principais diferenças e semelhanças entre geriatria e gerontologia?

Danielle Pessoa – A geriatria, ou medicina geriátrica, é o ramo da medicina que se concentra no estudo, na prevenção, no tratamento e na reabilitação de doenças e incapacidades de pessoas idosas. Os geriatras são médicos que fazem dois ou três anos de residência em clínica médica e, posteriormente, dois anos de residência em geriatria. Geralmente, o geriatra deve passar por um exame de qualificação em especialização para obter o título ou certificado de especialista pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Outras especialidades, como Medicina da Família, podem também tentar obter o título, mas precisarão comprovar atuação em geriatria para a SBGG, que tem uma pontuação específica na terceira fase do processo de certificação do título de especialista. 

Já a gerontologia é o estudo do processo de envelhecimento. Isso inclui:

  • Estudo das mudanças físicas, mentais e sociais nas pessoas à medida que envelhecem;
  • Investigação das mudanças na sociedade resultantes do envelhecimento da população;
  • Aplicação desses conhecimentos em políticas e programas.

A gerontologia é multidisciplinar e integra várias áreas separadas de estudo. A SBGG promove a colaboração entre médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, profissionais de educação física, psicólogos, nutricionistas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, biólogos, cientistas comportamentais e sociais, economistas, especialistas em políticas, aqueles que estudam as humanidades e as artes, e muitos outros estudiosos e pesquisadores no envelhecimento. Existe também processo de avaliação de título de especialista em gerontologia pela SBGG.

Entrevista Nota 10 – Qual a importância de ter um campo de estudo só para esse assunto?

Danielle Pessoa – As pessoas de hoje vivem mais tempo do que as gerações anteriores. Em todo o mundo, o número de adultos com mais de 60 anos atingirá dois bilhões em 2050 e constituirá mais de 20% da população mundial. Essas pessoas idosas serão cada vez mais diversificadas em termos de status sociodemográfico e de saúde.

Portanto, é necessário abordar a saúde do idoso de forma abrangente, compreender todos os domínios da saúde e olhar além da idade numérica para prever o prognóstico, a morbidade e a mortalidade. A avaliação das múltiplas dimensões, além das médicas, facilita a tomada de decisão e o planejamento de cuidados a esse grupo.

A diminuição da função e a perda de independência não são consequências inevitáveis do envelhecimento. Dada a alta prevalência e impacto de problemas de saúde crônicos entre pacientes idosos, as intervenções baseadas em evidências para abordar esses problemas tornam-se cada vez mais importantes para maximizar tanto a quantidade quanto a qualidade de vida para adultos mais velhos.

Entrevista Nota 10 – O contingente de pessoas idosas no país aumentou drasticamente nos últimos anos, representando 14,7% da população — o equivalente a cerca de 31 milhões de pessoas —, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na área da saúde, o Brasil tem se preparado para esse processo de envelhecimento demográfico? O que é necessário fazer para acolher e melhorar a qualidade de vida dessa parcela de cidadãos na sociedade?

Danielle Pessoa – O número de idosos aumentou de forma rápida no Brasil em comparação a países desenvolvidos. Passamos de três milhões, em 1960, para sete milhões, em 1975; de 14 milhões, em 2002, para 20 milhões, em 2010 — um aumento de 600% em cinquenta anos. Precisamos urgente de políticas de saúde, de infraestrutura, de capacitação dos profissionais da saúde e de iniciativas públicas e privadas para cuidar dessa população crescente de pessoas idosas, com elevada prevalência de doenças crônicas e incapacitantes.

O envelhecimento no Brasil também é marcado pela desigualdade social. Em 2019, a expectativa de vida no país chegou a 76,6 anos, segundo dados do IBGE, mas a média da população dos estados mais pobres chega a ser 8,5 anos a menos do que nas regiões mais ricas. Em Santa Catarina, a expectativa de vida era de 79,9 anos, enquanto no Maranhão, ela caía para 71,4 anos. Essa diferença costuma ser maior entre a capital e as cidades do interior de um mesmo estado. Em São Paulo, essa distância entre a periferia e a zona nobre pode chegar a duas décadas. Condições como raça, escolaridade, orientação sexual também influenciam na expectativa de vida. 

Precisamos de planejamento e elaboração de uma Rede de Atenção ao Idoso multidisciplinar, que englobe a prevenção, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos com qualidade, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) como no Sistema de Saúde Suplementar. O Estado deve investir no suporte social dos idosos, principalmente daqueles com menor poder econômico, que necessitam de estrutura financeira para suas demandas. 

Entrevista Nota 10 – Recentemente vimos o caso de uma mulher de 42 anos que sofreu preconceito por conta da sua idade, tendo recebido ofensas por colegas de faculdade que chegaram a dizer que ela deveria “estar aposentada”. Casos como esse, classificados como etarismo, ressaltam um pensamento ainda comum na sociedade de que pessoas mais velhas e idosas não são capazes de conquistar objetivos e de serem indivíduos ativos. A que se deve tal suposição? Esse panorama vem mudando com o envelhecimento da população e o aumento da expectativa de vida?

Danielle Pessoa – O ageísmo, ou etarismo, é o preconceito contra o idoso e o processo de envelhecimento. A maioria das práticas de etarismo são dentro de suposições sobre capacidade social e física, e que podem ser provenientes de instituições ou de indivíduos. As causas do etarismo são variadas: desde a ideia de que envelhecer é ficar doente e incapaz, passando pela imagem de que aposentadoria representa um fardo econômico para a sociedade, até à valorização extrema da estética e da juventude pela sociedade. O período da pandemia enfatizou muito a população idosa como grupo de pessoas frágeis e dependentes. A ideia de que a idade cronológica define objetivamente a capacidade física e intelectual, apoia preconceitos, estereótipos e discriminação. 

Entrevista Nota 10 – O etarismo é mais evidente em questões sociais, mas também pode influenciar o bem-estar de idosos para além do nível psicológico? Como a saúde física dessas pessoas pode ser afetada por esse tipo de preconceito?

Danielle Pessoa – Muitos estudos já mostraram que o etarismo afeta a saúde dos idosos, assim como sua qualidade de vida, de forma negativa. Ele pode reduzir oportunidades de interação social, de prática de exercícios físicos, de atividades cognitivas para novos aprendizados, de cargos remunerados. O etarismo pode, inclusive, influenciar na escolha de conduta de profissionais de saúde, como vimos na pandemia em relação aos aparelhos de ventilação pulmonar mecânica e admissão em unidade intensiva.

Entrevista Nota 10 – Para encerrar, o que podemos fazer enquanto sociedade para acolher e proporcionar um ambiente favorável e saudável ao público dessa faixa etária?

Danielle Pessoa – As instituições e o Estado devem investir em campanhas para melhor compreender a heterogeneidade do envelhecimento e a renúncia de estereótipos relacionados à velhice. Os cursos da saúde precisam ter treinamentos de avaliação geriátrica ampla para compreender bem o processo de envelhecimento de forma mais precisa e baseada em funcionalidade, comorbidades, cognição e desempenho físico.

O envelhecimento é muito heterogêneo, com múltiplos fatores que interferem, desde genética a hábitos de vida. Então, cada idoso deve ser visto de forma individualizada. Redes de apoio, profissionais de saúde, sociedade e famílias precisam trabalhar juntos para garantir que os idosos se sintam socialmente integrados. Disseminar informações pertinentes a este tema, elaboração de políticas e leis, convívio intergeracional e intervenção educacional são extremamente importantes no combate ao etarismo.