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Seg, 4 Março 2024 14:52

Entrevista Nota 10: Eduardo Giannetti e a educação que transforma realidades

O economista e escritor fala sobre a importância da formação contínua, assim como o papel da educação básica e superior na transformação socioeconômica


Giannetti é PhD em Economia pela Universidade de Cambridge e docente do Ibmec (Foto: Renato Parada)
Giannetti é PhD em Economia pela Universidade de Cambridge e docente do Ibmec (Foto: Renato Parada)

Frases como “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”, de Nelson Mandela, e “Educação não transforma o mundo, educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”, de Paulo Freire, podem até parecer distintas. No entanto, elas compartilham um denominador comum vinculado ao ato de aprender: a transformação da realidade.

Segundo o economista e escritor Eduardo Giannetti, a educação é importante não só para o crescimento pessoal e profissional do indivíduo, mas também da sociedade. Ele afirma que é por meio dela que um país se desenvolve, aumentando a produtividade e a sua capacidade de inovação.

“Não há povo que tenha alcançado um padrão satisfatório de desenvolvimento sem passar por um processo de formação do que os economistas chamam capital humano. [...] Eu diria que a essência do desenvolvimento econômico é justamente essa dimensão da formação de capital humano”, declara o professor e palestrante, que é autor de livros premiados.

Graduado em Ciências Econômicas e em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), Eduardo possui PhD em Economia pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Atualmente é docente do Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais (Ibmec).

No último sábado, 02 de março, Giannetti esteve no Encontro Pedagógico Integrado da Universidade de Fortaleza, instituição mantida pela Fundação Edson Queiroz. Ele ministrou a palestra “O mundo do trabalho, a sala de aula e a formação profissional no ensino superior: cartografias e aproximações”, que aconteceu no Centro de Eventos do Ceará, ao lado do campus, e contou com a presença de mais de 900 docentes da Unifor.

O economista falou com exclusividade à Entrevista Nota 10 desta semana. Na conversa, um dos mais prestigiados profissionais de economia no país aborda a importância da formação contínua, assim como o papel da educação básica e superior na transformação socioeconômica.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — Por que é importante estudar e continuar na jornada em busca por conhecimento nos dias de hoje? Como a educação transforma a vida? 

Eduardo Giannetti — A educação é importante para o indivíduo, tanto para o seu crescimento pessoal como profissional, e também para a sociedade, porque é por meio da educação que um país se desenvolve, aumentando a produtividade e a sua capacidade de inovação. O processo de educação não pode ser visto como uma etapa estanque da formação. É um processo contínuo e que precisa, nas condições do mundo atual, estar permanentemente sendo renovado e relançado.

Nós estamos num mundo em que a produção de conhecimento se acelera de uma maneira muito intensa. Isso obriga a cada um de nós a estar permanentemente aberto e capaz de buscar no mundo das informações e do conhecimento aquilo que pode ajudá-lo a viver melhor, a ser mais produtivo e a contribuir para o esforço da sociedade, como um todo, de melhorar o padrão de vida.

Entrevista Nota 10 — Você comenta sobre a educação como uma ferramenta importante para o desenvolvimento da sociedade. Como ela influencia nessa mudança social, principalmente por meio da empregabilidade e da trabalhabilidade?

Eduardo Giannetti — Não há povo que tenha alcançado um padrão satisfatório de desenvolvimento sem passar por um processo de formação do que os economistas chamam capital humano. O capital humano é o resultado de um investimento que é feito tanto pelas famílias como pela sociedade e pelo estado a fim de aprimorar os talentos, as habilidades e as faculdades cognitivas das crianças e dos jovens e, hoje em dia, também dos adultos. Eu diria que a essência do desenvolvimento econômico é justamente essa dimensão da formação de capital humano.

Um grande economista inglês — que foi, provavelmente, o pai da teoria moderna do capital humano — chamado Alfred Marshall chega a escrever que “Entre todos os capitais, o mais valioso é aquele investido em seres humanos”. O que ele está dizendo com isso não é uma assertiva humanitária simplesmente, é uma realidade estritamente econômica.

O investimento e o conhecimento que está presente no cérebro de cada cidadão é o que há de mais importante para que uma nação aumente o seu nível de renda, aumente a sua produtividade e aumente o seu bem-estar. Sem falar em considerações a respeito da vida pessoal de cada um, que também depende muito da capacidade que a pessoa tem de aprimorar as suas relações afetivas, as suas relações com o mundo da cultura, com a leitura, com apreciação da arte, com a busca do conhecimento e com o uso da inteligência para resolver problemas da vida prática.

Entrevista Nota 10 — De que forma a situação socioeconômica individual das pessoas pode ser transformada pelo conhecimento e pelo estudo? Como esse processo agrega na mudança?

Eduardo Giannetti — O Brasil padece de uma injustificável desigualdade de condições materiais na sua sociedade. Não vamos reduzir essa desigualdade se não melhorarmos enormemente as dotações iniciais, ou seja, a condição de aprimoramento das competências de cada criança que nasça em nosso país. Nós temos um atraso acumulado ao longo de muitos séculos na criação desse ambiente em que um indivíduo, ao nascer, receba da sociedade em que vive as condições para um pleno desenvolvimento das suas faculdades.

Não vejo outro caminho para uma solução a longo prazo da terrível desigualdade da vida brasileira que não passe por uma atenção muito maior do que vem até aqui recebendo, [como] a criação de um ensino fundamental de qualidade universal. Ou seja, aberto a todos os jovens e crianças, independente de qualquer outra consideração de ordem social, racial, de gênero etc.

Entrevista Nota 10 — Um ponto que você comenta é sobre o ensino fundamental como ponto de partida para essa mudança, mas qual é o papel do ensino superior nesse contexto?

Eduardo Giannetti — O ensino superior tem o papel fundamental. Infelizmente, são poucos os brasileiros ainda que têm acesso a essa etapa mais avançada da formação educacional. Mas numa sociedade contemporânea, o ideal é nós alcançarmos um padrão de acesso bastante generalizado para que todos possam desfrutar dessa etapa mais aprimorada da sua formação. 

No tocante ao ensino superior, eu acredito que o fundamental é o jovem encontrar realmente aquilo que desperta nele o desejo de aprimorar o seu conhecimento, de aprofundar o seu conhecimento. Não é uma tarefa simples. Uma pessoa só se torna virtuosa e exímia naquilo que faz se ela encontra algo que realmente mobilize as suas melhores energias naquela atividade. Um grande filósofo da antiguidade, Aristóteles, dizia que o prazer aperfeiçoa a atividade. O que ele queria dizer com isso? Se você tem prazer em alguma atividade, por exemplo, estudar um determinado assunto, você vai praticar aquilo espontaneamente. E ao praticar isso espontaneamente, você vai se tornar um exímio praticante dessa atividade.

Eu acho que a coisa mais importante que aconteceu na minha vida (estou olhando agora para o meu caso pessoal) foi descobrir o prazer que pode ser estudar e se aprofundar num determinado assunto que me despertava grande paixão pelo conhecimento. A hora que isso aconteceu, tudo mais é decorrência, porque eu passo a fazer isso independente de qualquer pressão vinda de fora, é alguma coisa que parte de mim.

Como professor, eu sempre busquei na minha atividade despertar essa paixão pelo estudo nos meus alunos. Agora, é importante que o aluno busque dentro dele — porque ninguém pode decidir isso em nome dele —, na sua alma, aquilo que realmente mobiliza a sua vontade de conhecer e a sua vontade de se aprimorar.

Entrevista Nota 10 — Que tipo de profissional devemos formar hoje e quais as experiências que de fato são significativas para formação profissional?

Eduardo Giannetti — Eu diria que a característica fundamental, hoje, é a abertura ao conhecimento. É a disposição a não ter uma postura passiva, mas sim proativa de encontrar aquilo que precisa e aquilo que almeja para se tornar melhor naquilo que faz. O primeiro ponto é essa abertura ao conhecimento e essa postura proativa de permanente busca e renovação.

Agora, é fundamental que isso seja feito de uma maneira consistente. E aí eu acho que a formação em ensino superior tem um papel fundamental. É dar para o jovem uma estrutura de raciocínio e uma lógica de pensamento que lhe permita discernimento ao buscar informações e conhecimentos, ser capaz de estruturar o raciocínio, identificar um verdadeiro problema que mereça ser realmente aprofundado, saber quais são as fontes confiáveis e habilitadas a fornecer os saberes necessários para esse aprofundamento. É todo um processo, eu diria, de lapidação das faculdades cognitivas.

Ampliou-se enormemente o acesso ao mundo da informação e do conhecimento, mas não houve até aqui uma contrapartida de aprimoramento da nossa capacidade (estou falando do geral) de tirar o melhor proveito dessas novas fontes abertas de acesso ao conhecimento. Então acho que um papel fundamental do ensino superior, em qualquer área do conhecimento, é instrumentar o jovem para que ele possa usar de uma maneira consequente essas novas ferramentas, essas novas tecnologias e esse acesso ampliado a fontes que no passado estavam fora do nosso alcance.

Entrevista Nota 10 — No dia 02 de março, você ministrou uma palestra para mais de 900 professores durante o Encontro Pedagógico Integrado da Unifor. Aproveitando o ensejo, poderia dizer qual é o papel dos docentes nessas mudanças socioeconômicas e na formação de profissionais para a sociedade?

Eduardo Giannetti — O professor é o protagonista desse processo de formação. Como eu disse, acredito que a missão maior de um professor é despertar no aluno a paixão pelo conhecimento. Ajudar o aluno a descobrir o que realmente mobiliza nele as suas melhores energias para que ele vá fundo nesse processo de aprimoramento das suas habilidades e da sua vocação de pesquisa, no caso de quem vai não para o mercado, mas vai para uma vida de academia e de busca do conhecimento. 

Não há como a transformação educacional se materializar se ela não contar com o principal insumo do processo educacional, que são professores motivados, habilitados e que tenham esse entusiasmo pela transferência de conhecimentos e pela semeadura de buscas e de inquietações na mente daqueles que estão sob a sua tutela.

Entrevista Nota 10 — Para encerrar, qual você acha que é o principal desafio da docência nesse processo?

Eduardo Giannetti — Eu não acho que há uma possibilidade de generalizar a resposta. Cada instituição e cada ambiente educacional tem suas peculiaridades e seus desafios específicos. Agora, o fato é que hoje no Brasil, lamentavelmente, a profissão docente não tem a valorização social que em sociedades, eu diria, mais educadas essa atividade merece.

Nós ainda não demos ao professor no Brasil o reconhecimento da importância daquilo que ele faz no seu dia a dia. Não há uma valorização social, e eu digo até meio política por parte dos governantes, da atividade docente daqueles que, no dia a dia, estão junto às crianças e aos jovens do país, buscando transformá-los em seres humanos mais capacitados.

Eu costumo dizer que o futuro do Brasil não vai ser decidido em reuniões do Banco Central, em gabinetes de ministérios, em pregões da Bolsa de Valor ou nas profundezas do pré-sal. O futuro do Brasil vai ser decidido nas milhares de salas de aulas do nosso imenso país. Se nós não enfrentarmos de transformar o aprendizado em alguma coisa real, capaz de mobilizar o potencial de cada brasileiro, nós não vamos construir o país com que sonhamos.