null Você sabe o que são biofármacos? Pesquisa realizada com cabras transgênicas auxilia no tratamento contra o câncer

Qui, 7 Janeiro 2021 16:37

Você sabe o que são biofármacos? Pesquisa realizada com cabras transgênicas auxilia no tratamento contra o câncer

O estudo é conduzido pelos pesquisadores da Unifor Leonardo Tondello, Kaio César Simiano e Saul Gaudêncio


Ciência: os pesquisadores Kaio Tavares, Leonardo Tondello e Saul Galdêncio desenvolvem estudo pioneiro na produção de biofármacos (Foto: Ares Soares)
Ciência: os pesquisadores Kaio Tavares, Leonardo Tondello e Saul Galdêncio desenvolvem estudo pioneiro na produção de biofármacos (Foto: Ares Soares)

A produção de biofármacos por meio da plataforma animal consiste em uma alternativa promissora para tratar doenças de alto custo. Professores do curso de Medicina Veterinária da Universidade de Fortaleza, instituição da Fundação Edson Queiroz, Leonardo Tondello, Kaio César Simiano e o pesquisador doutorando em biotecnologia, Saul Gaudêncio, investem na produção de biofármacos utilizando três cabras geneticamente modificadas, que contêm um transgene que pode direcionar a produção de um anticorpo monoclonal para tratar o câncer. 

O projeto é desenvolvido em parceria com o Centro de Biotecnologia Y Biomedicina, startup da Universidade de Concepción (Chile), e com a Fortgen Technologies, startup da Unifor

Denominado anti-VEGF, o anticorpo monoclonal já existe no mercado, entretanto, é produzido por meio da plataforma celular, que possui um alto custo de produção. 

O professor e pesquisador Leonardo Tondello, explica sobre como o anti-VEGF pode ser utilizado no tratamento de diferentes tipos de câncer. “O anti-VEGF é indicado para o tratamento contra câncer de pulmão, mama, rins e colorretal e colo de útero. O anticorpo atua inibindo o crescimento dos tumores, inibe a formação de novos vasos. Com isso, a nutrição do câncer e dos tumores é reduzida drasticamente”, salienta o pesquisador.

Mas, o que são exatamente os biofármacos? Ainda segundo o professor, os biofármacos são medicamentos biológicos e que necessitam de algum organismo vivo para serem sintetizados. “Não é possível produzir um biofármaco dentro de um laboratório, é necessário um organismo vivo, pois o biofármaco é uma proteína. No mercado, para a produção de biofármacos são utilizadas bactérias geneticamente modificadas, leveduras, células, e no nosso caso, animais geneticamente modificados. Biofármacos são as drogas mais caras do mercado”, explica. 

Devido ao alto valor no mercado, a pesquisa apresenta relevância por investir na alternativa em desenvolver biofármacos em cabras geneticamente modificadas. “Um frasco com 400 miligramas do anticorpo monoclonal anti-VEGF, custa em média entre 5 a 7 mil reais no mercado. É algo que normalmente os pacientes não têm como pagar”, comenta Tondello. 

O cientista destaca também que “no Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) financia e paga boa parte desses medicamentos biológicos, entretanto, o país ainda permanece dependente de produtos estrangeiros, pois ainda não possui capacidade para desenvolver nacionalmente e industrializar biofármacos. Por isso, vem a importância da nossa iniciativa: sempre foi um projeto de pesquisa com o objetivo de levar soluções, chegar no mercado, levar biofármacos para a população e quebrarmos o paradigma nacional de dependência estrangeira, sobretudo, sobre tecnologias para o desenvolvimento de produtos”. 

Por meio da plataforma animal, a produção apresenta um menor custo e impacta diretamente no preço final quando chegam ao mercado. No caso do animal, quem produz um biofármaco é a cabra geneticamente modificada. 

Entenda como acontece 

O anticorpo monoclonal é uma proteína que funciona como biofármaco. Transgene, são sequências de genes que não são próprias do organismo em questão. “Ao inserir um transgene em um caprino, inserimos sequências genéticas, genes que não são da cabra. As cabras produzidas na Universidade, são caprinos normais, a única diferença é que em um dos cromossomos desta cabra, existirá um transgene que nós inserimos. O gene exógeno que não é da cabra, se integra de forma estável dentro do genoma caprino e estimula a síntese de uma proteína, nesse caso, o anticorpo anti-VEGF”, explica Leonardo.

O professor enfatiza sobre a segurança com o bem-estar animal durante o procedimento. “O anticorpo monoclonal é produzido apenas na glândula mamária, não é produzido em nenhuma outra célula ou tecido do organismo. Direcionar para o tecido da glândula mamária é importante, pois se trata de um sistema fechado. Desta forma, não há um contato do biofármaco com a corrente sanguínea do animal. Este cuidado é indispensável, pois poderia haver fortes efeitos colaterais na saúde do animal que produz o biofármaco. Como é produzido no leite, isso não ocorre, pois será expelido”, explana.

O leite extraído dos caprinos passa por um processo rígido de purificação. “Ninguém vai tomar este leite, ele funciona apenas como um veículo. Ao final do processo de purificação, temos um anticorpo monoclonal altamente puro, que poderá ser aplicado nos pacientes por via endovenosa, na corrente sanguínea. O biofármaco é totalmente purificado pelo leite antes de ser usado”, ressalta o professor. 

O anticorpo anti-VEGF é utilizado no tratamento contra o câncer de rins, ovários, colorretal, pulmão, mama e colo de útero. 

Resultados promissores

A pesquisa sobre o desenvolvimento do anticorpo anti-VEGF já alcança bons resultados. “Hoje, temos caprinos produzindo o anticorpo em alta concentração, temos protocolos de purificação completamente delineados, resultando na purificação do anticorpo com alta taxa de eficiência e pureza. Temos testes in vitro e in vivo em animais, testando a eficácia do anticorpo, o que tem deixado todos os participantes do projeto otimistas. Estamos entrando em uma fase de busca por contatos na indústria, para vendermos a ideia e apresentarmos o nosso produto. Entretanto, primeiro vamos elaborar um bom plano de negócios, para a partir disso, iniciarmos o contato com a indústria”, destaca o professor. 

Além da pesquisa direcionada à produção do anticorpo monoclonal anti-VEGF, os pesquisadores também investem em paralelo na produção de outros biofármacos. O professor Kaio Tavares, explica que todos estão em fase de estudos. “Já produzimos lactoferrina humana, uma proteína existente no leite materno da mulher; produzimos cabras que produzem glicocerebrosidase, para doenças de gaucher, uma doença genética em que os pacientes precisam receber quinzenalmente este medicamento. E, em 2019, produzimos um anticorpo para o tratamento de câncer, o anti-VEGF”, comenta ele.

Kaio destaca sobre a futura redução de custos no mercado. “A produção de biofármacos no leite de cabras, pode significar uma redução de custos na produção destes biofármacos. Os biofármacos produzidos por cabras têm uma alta qualidade quando comparados com biofármacos produzidos de outras formas e que já estão no mercado. Ou seja, pode representar futuramente uma redução de custos, porque esses biofármacos chegam no mercado com um custo muito elevado, e isso diminui o acesso das pessoas a ele”, conclui o professor.