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Seg, 16 Janeiro 2023 17:04

Pesquisa Unifor: Dissertação de mestrado discute vivência de mães e pais de adolescentes LGBT

Thomas Borges defendeu a dissertação de mestrado “Quando a família sai do armário: a experiência de mães/pais de adolescentes LGBT” pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza


O trabalho busca compreender a experiência de parentes que apresentam dificuldade de compreender e apoiar a vivência de adolescentes LGBT, com os quais convivem e por quem nutrem sentimentos de cuidado (Foto: Getty Images)
O trabalho busca compreender a experiência de parentes que apresentam dificuldade de compreender e apoiar a vivência de adolescentes LGBT, com os quais convivem e por quem nutrem sentimentos de cuidado (Foto: Getty Images)

No cenário nacional ainda há poucas produções que pesquisem as famílias de adolescentes LGBT (sigla que significa lésbicas, gays, bissexuais e transgênero), tema que passa pela saúde não só dos pais e mães, mas também dos próprios adolescentes de minorias sexuais e de gênero, conforme explica o psicólogo Thomas Borges.

Em dezembro de 2022, o agora mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP) da Universidade de Fortaleza — da Fundação Edson Queiroz — defendeu a dissertação “Quando a família sai do armário: a experiência de mães/pais de adolescentes LGBT”, que visa dar voz às experiências dessas famílias. 

Um dos temas centrais da pesquisa, o processo de revelação da orientação sexual não-heterossexual ou identidade de gênero trans é conceituado como coming out. Em português, este conceito recebe algumas diferentes traduções, como revelação da orientação sexual ou “saída do armário”.

Segundo a dissertação, esse coming out — que pode acontecer em conversas com as mães e pais —, causa sentimentos de choque, frustração, raiva, felicidade, medo e luto, além da pressão dos pares para aceitar ou corrigir o(a) filho(a) e os dilemas de revelar ou esconder a existência deles.

Dessa forma, o trabalho também visa compreender a experiência de mães e pais de adolescentes LGBT, que podem apresentar dificuldade de entender e apoiar a vivência desses adolescentes com os quais convivem e pelos quais nutrem sentimentos de cuidado. “Queria que minha pesquisa gerasse impacto positivo na vida de famílias passando por situação de vulnerabilidade”, diz o psicólogo. 


Pesquisas como essas visibilizam as narrativas da população LGBT e de quem convive com essas pessoas (Ilustração: Getty Images)

Na pesquisa, Thomas contou com a aplicação de questionários e entrevistas com seis mães e um pai. Nas respostas, fica claro que as experiências dos entrevistados são complexas e multifacetadas, considerando a história individual e familiar, seu sistema de crenças, o contexto social, econômico e cultural em que se inserem, os recursos que podem acessar e as conexões que podem formar.

Além de contribuir com um tema com pouca bibliografia, o intuito da dissertação, segundo a orientadora da pesquisa e docente da Unifor, Normanda Morais, era dar continuidade a linha de pesquisa do Laboratório de Estudos dos Sistemas Complexos: Casais, Famílias e Comunidades (Lesplexos). O Laboratório trata das vulnerabilidades e processos de resiliência vivenciados pela população LGBTQIA+, seja no que se refere às famílias de origem, seja às famílias constituídas por essas pessoas. 

Também estiveram presentes na banca a doutora Aline Lira, professora do PPGP Unifor e coordenadora do Lesplexos; e o professor doutor Fábio Scorsolini-Comin, da Universidade de São Paulo (USP), que é referência em estudos voltados para a revelação da orientação sexual no contexto familiar. Suas pesquisas foram importantes e pioneiras no contexto brasileiro, visibilizando narrativas da população LGBT e chamando atenção para a delicadeza e urgência de intervenções sistêmicas que envolvam toda a família. 

Universo LGBT da universidade

O trabalho evidencia como a população LGBT tem sido invisibilizada, demonstrando a importância de falar, estudar e pesquisar sobre a comunidade. Como homem transgênero, Thomas afirma que é necessário mais LGBTs nas instituições de ensino, uma vez que pesquisadores que não têm aproximação com o tema podem coletar dados preciosos e interpretá-los reproduzindo estereótipos e contribuindo para a estigmatização de populações que já estão em risco.

“Além disso, pesquisadores LGBT nos enchem de representatividade, nos fazem acreditar que podemos fazer algo pela nossa realidade, pelos ‘manos(as)’ calados, pelos processos de exclusão e pela morte”, destaca o mestre em Psicologia.

Para a orientadora da pesquisa, Normanda, a presença de Thomas como um homem trans no PPGP e na Universidade representa uma “ruptura” desse destino tão negativo. “E nos mostra o quanto o convívio com a diversidade pode ser salutar, porque nos coloca em contato com a alteridade e a riqueza de experiências diferentes que somente o convívio com o outro pode nos trazer”, adiciona.


“Nosso desejo é que, cada vez mais, outros ‘Thomas’ possam encontrar seus lugares, seja na Universidade ou em outros contextos educativos e de trabalho, vivendo suas escolhas (educacionais e profissionais) com a dignidade e respeito devidos” Normanda Morais, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP) 

Conforme a docente, há um interesse crescente em temas envolvendo essas temáticas na Universidade, o que vem refletindo no aumento do percentual de dissertações e teses orientadas, assim como na oferta de grupos de estudos sobre a temática e mesmo eventos organizados pelos diferentes laboratórios do PPGP. 

“Também percebo como crescente e mais do que necessária a diversidade de orientação sexual e de gênero das(os) estudantes que nos procuram, seja para realizar o mestrado ou doutorado, seja nos grupos de estudos que ofertamos para a graduação. Em síntese, presenciamos um movimento potente de encontros entre alunos(as) LGBTQIA+ que veem no desenvolvimento dos seus estudos e na vinculação aos nossos grupos uma forma de se fortalecerem teoricamente, mas também enquanto indivíduos e grupos sociais”, reforça Normanda. 

Identidade e pesquisa

Thomas não nega que sua identidade perpassa a pesquisa de várias formas. Ao mesmo tempo, entende que isso não é, necessariamente, risco ao rigor metodológico da pesquisa, uma vez que fica claro que os dados coletados são fruto da sua própria vivência e apreensão enquanto pessoa LGBT e pesquisador. 

“Durante as entrevistas com as famílias, foi perceptível que havia algum grau de estranhamento em falar sobre seus filhos LGBT com uma pessoa trans, que se apresentava com muitas características socialmente entendidas como femininas e atendendo por um nome masculino”, compartilha.


“Ao decorrer das entrevistas, tentei me posicionar da forma mais empática possível, tentando auxiliar as famílias a entender que eu queria uma conversa honesta, sem respostas ‘bonitas’ ou ‘politicamente corretas’. Foi perceptível que receber validação sobre os sentimentos vindo de uma pessoa LGBT foi surpreendente para algumas famílias e, em alguns casos, as participantes expressaram gratidão por poderem ter uma conversa aberta e serem acolhidas”Thomas Borges, mestre em Psicologia pela Unifor

Ele agora se prepara para explorar os dados coletados na dissertação em futuras publicações. No entanto, afirma que, para além dos dados já coletados, ficou evidente na fala das famílias entrevistadas o desejo de um espaço seguro para falar sobre as experiências enquanto mães e pais de adolescentes LGBT

“Estou tentando seleção para o Doutorado em Psicologia. Caso logre êxito, devo iniciar no segundo semestre de 2023. Para o doutorado, planejo continuar essa linha de pesquisa e, com certeza, entregar uma devolutiva para as famílias, idealmente pensando no espaço de acolhimento que elas tanto frisaram sentir falta”, conclui o psicólogo.