Nutrição: estudo aponta mudanças nos hábitos alimentares da população de Fortaleza durante a pandemia

Cozinhar - seja por afinidade ou por necessidade - foi uma das atividades que a pandemia de Covid-19 impôs à maioria dos brasileiros, dado o obrigatório confinamento. Mesmo com a opção de delivery, muita gente resolveu se arriscar nas receitas e teve os hábitos alimentares alterados.

Diante desse cenário, vem a reflexão: até que ponto a pandemia afetou a forma com que estamos nos alimentando?

Em busca de respostas para essa pergunta, a nutricionista e professora do curso de Nutrição da Universidade de Fortaleza (Unifor), Marília Porto, ingressou numa pesquisa que tem avaliado justamente o consumo alimentar, a prática de exercícios físicos e a qualidade do sono da população de Fortaleza.

Doces e bebidas alcoólicas

“Em parceria com o doutorado em Ciências Médicas da UFC, estamos aplicando questionários de modo online para aferir o quanto a pandemia pode ter mudado a alimentação das pessoas que cumprem o isolamento social. Ainda é cedo para afirmar algo, mas podemos dizer que, numa primeira fase de confinamento, houve significativo consumo de doces, alimentos industrializados e bebidas alcoólicas. Mas, na medida em que o tempo foi passando, as frutas cítricas e verduras passaram a ser mais procuradas, causando inclusive uma visível alta no preço praticado pelos supermercados”, revela.

Mudança para hábitos saudáveis

Apesar desse cenário preliminar, para Marília há fortes indícios de que a pandemia pode deixar como efeito colateral positivo o crescimento da adesão por estilos de vida saudáveis.

“Os alimentos que contêm antioxidantes e melhoram essa renovação celular do sistema imunológico, como as frutas cítricas, e também aqueles ricos em ômega 3, como o peixe, que também tem efeito anti-inflamatório, parecem estar agora ganhando na preferência. Os grãos e sementes, como a castanha e o amendoim, também têm tido seu lugar de honra nas dietas alimentares das pessoas que buscaram no alimento fortalecer preventivamente a saúde. E não há dúvidas quanto à eficiência deles, sobretudo quando o organismo precisa reagir às ameaças externas cada vez mais virulentas”, assinala.

Marília observa, “muita gente que não cozinhava teve que cozinhar, até porque as empregadas domésticas tiveram que ser dispensadas, a fim de que também pudessem estar em isolamento social. Acho que daí foi quando as famílias voltaram a cozinhar por prazer, com alguns descobrindo e outros redescobriram esse dom, ao ponto de encher as mídias sociais com orgulho dos seus pratos. Isso também acionou, sem que a maioria intuísse, o poder terapêutico que há na prática culinária. É unânime e inquestionável: cozinhar dá prazer e melhora a cabeça”.

De casa para o trabalho

Nara Parente, que também é professora do curso de Nutrição da Universidade de Fortaleza (Unifor), destaca que a pandemia abre caminho para se repensar o hábito de se adquirir alimentos fora de casa.

“Mesmo após o fim do isolamento social, nem tudo vai voltar a funcionar como antes: restaurantes, praças de alimentação, festas. No trabalho, as copas da empresas serão limitadas, portanto quem puder levar sua própria comida de casa para alguns ambientes, já que não terá assim tanta oferta como antes, vai sair ganhando duplamente: tanto porque preparar as próprias refeições é mais saudável do que comprar alimentos prontos e industrializados, como por fazer um bem enorme ao orçamento”, reflete.

A nutricionista também aponta o Guia Alimentar da População Brasileira como referência de hábitos saudáveis e lembra.

“Comer junto, valorizando o convívio em família no momento da refeição, algo que a gente não conseguia por falta de tempo, é algo proposto oficialmente como prática e atitude saudáveis. E não à toa. Cozinhar é uma habilidade prazerosa e terapêutica. Diz sobre um momento de troca, companheirismo, compartilhamento. Com a família à mesa, criam-se vínculos, ao mesmo tempo em que resgatamos boas lembranças, promovemos a interação, fortalecemos tradições e a própria cultura gastronômica. Essa relação mais íntima com a alimentação que, de alguma forma, volta quase como 'salvação' no rescaldo da pandemia é empoderamento e terapia mesmo. Por isso, torço para que permaneça entre nós”, afirma Nara Parente.