O que são e como cultivar Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs)

PANC. Um aglomerado de letras que, de relance, pode não fazer sentido para muitas pessoas. Porém, a sigla traz uma importância enorme para o âmbito nutricional e socioeconômico brasileiro. Esses quatro caracteres são um acrônimo para "Plantas Alimentícias Não Convencionais", e englobam as plantas que não são consumidas como alimento por uma sociedade, seja por falta de costume ou de conhecimento. 
 
O termo foi criado pelo biólogo fluminense Valdely Kinnup, em sua tese de doutorado no ano de 2008. Porém, a expressão ficou, de certa forma, restrita ao meio acadêmico por um tempo. Até que, em agosto de 2016, as PANCs fizeram a sua estreia no reality show culinário MasterChef Brasil, o que permitiu a sua divulgação a um nível nacional. 
 
De acordo com Iramaia Bruno Silva, nutricionista com doutorado em Biotecnologia, e professora do curso de Nutrição da Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz, "é estimado que, no mundo, haja cerca de 390 mil espécies de PANCs. Mas, 90% da alimentação tem como base a inclusão de apenas 20 espécies, justamente por ainda serem desconhecidas por boa parte da população", afirma.

O que são

As PANCs são as plantas, ou parte delas, não consumidas convencionalmente, como o próprio nome já diz. Elas são, em sua maioria, rústicas, resistentes e ruderais e, devido às suas características, não necessitam de grandes cuidados na hora do cultivo. Por ser um termo novo, a lista de itens é elástica, e engloba frutas, castanhas, hortaliças e vegetais, geralmente selvagens e com o potencial alimentar ainda inexplorado.

Essas plantas dificilmente são encontradas em supermercados, ainda que haja exceções, como a banana-verde. Elas podem ser encontradas em jardins, florestas, hortas e, até mesmo, calçadas. Porém, por serem desconhecidas pela população em geral e não estarem inseridas no cardápio alimentar da maioria dos indivíduos, são, muitas vezes, consideradas plantas infestantes, mato ou ervas-daninhas.

Alguns exemplos são a Bertalha (Basella alba), uma planta trepadeira, a Taioba (Xanthosoma  sagittifolium), também chamada de "orelha de elefante", e o Mangará, que nada mais é que o coração da Bananeira. É importante notar que, segundo a arquiteta, os alimentos dessa categoria variam de acordo com o lugar e a cultura alimentar de um povo. Ou seja, o que é uma Planta Alimentícia Não Convencional no Ceará, pode não ser em Santa Catarina, e vice-versa.

Valor nutricional

As plantas inseridas na categoria de não convencionais possuem diversos benefícios nutritivos. Elas são repletas de fibras, proteínas, vitaminas e minerais, e esses aspectos são significativamente maiores quando comparados aos das plantas tradicionais e facilmente encontradas em mercados convencionais.

As Plantas Alimentícias Não Convencionais são cada vez mais indicadas para uma alimentação saudável e balanceada, e ajudam a prevenir doenças e a manter o corpo equilibrado. "Muitas PANCs estão sendo estudadas para se investigar os benefícios para o ser humano e natureza, e, dentre as milhares de espécies vistas no Brasil, a Taioba, que pertence à família Araceae, é perene, herbácea e cultivada para alimentação, pois é rica em vitamina A, fonte de cálcio, ferro, vitamina C e fibras", explica Iramaia Silva.

Ainda de acordo com a docente de Nutrição, a Araruta (Maranta arundinacea), outra espécie catalogada como PANC, vem da Flórida e floresce em solo do Nordeste ao Sul do Brasil. Ela é perene e herbácea, assim como a mencionada anteriormente, e tem em sua composição fibras e macronutrientes. Ela cita ainda a Azedinha (Oxalis latifolia), mais conhecida como "trevo azedo", herbácea que possui capacidade terapêutica e alto teor de ácidos graxos, vitaminas, minerais e proteínas.

Um último exemplo trazido pela nutricionista é a Ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata), que significa "rogai por nós", em latim. Essa espécie é de origem tropical e de fácil propagação, e é facilmente encontrada na região do Sudeste brasileiro. "Ela é uma das PANCs mais conhecidas popularmente (...) A sua principal característica está em suas folhas, que contém alto teor biológico de proteína, além de compostos ativos como betalaínas, carotenóides e mucilagens", explica.

Formas de cultivo

Grande parte das plantas listadas como PANCs podem ser cultivadas no quintal de casa. De acordo com a arquiteta Fernanda Rocha, porém, "diante da vastidão do número de espécies incluídas nesta denominação, não se pode generalizar sobre seu cultivo ou consumo. Cada caso é único e necessita de um olhar particularmente atento", esclarece.
 
Porém, como dito anteriormente, elas são pouco exigentes quando se trata de cuidados. Então, para aqueles que desejam ter algumas dessas plantas em casa, a profissional traz dicas de como cultivá-las. "De modo geral, cultive-as em solo fértil, mantido coberto por boa camada de material vegetal morto, conhecido como mulch (casca de árvores ou palhas secas), o que ajuda a manter a umidade e dificulta o aparecimento de outras espécies não desejadas", sugere. 
 
A docente também destaca a importância de se "atentar para as necessidades de insolação (sombra, meia sombra ou sol pleno) de cada espécie, à medida de seu desenvolvimento, sem falar na proteção de ventos fortes e/ou salinos, em casos específicos", aconselha. Ainda segundo a profissional, ao lidar com essas plantas, é fundamental buscar por boas referências.
 
Ela indica os livros "Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil: guia de identificação, aspectos nutricionais e receitas ilustradas", escrito por Kinupp, criador do termo, e Harri Lorenzi; e o "PANC Gourmet - Ensaios Culinários", do autor Henrique Nunes. O primeiro, lançado em 2015, é o primeiro guia de identificação dessas plantas no país, e apresenta mais de 300 espécies presentes em território brasileiro.

Como consumí-las?

As PANCs podem ser consumidas de diversas maneiras, como sucos, chás, saladas, farinhas ou in natura mesmo. Porém, é necessário estar atento à sua forma de preparo, já que algumas delas podem apresentar certas restrições. As folhas da batata doce, por exemplo, são caracterizadas como plantas não convencionais, e só podem ser ingeridas se forem refogadas, já que, quando cruas, são tóxicas.  
 
"As partes comestíveis variam de raízes, folhas, rizomas, tubérculos, folhas, talos, flores e frutos, podendo ser consumidos diariamente em refeições, como temperos e para refogar alimentos, enfeitar saladas e substituir alguns grãos. Ainda há a criação de muitas receitas com estas plantas, como suflês, doces, temperos e outros, mas, é preciso ter consciência de como elas podem ser usadas, pois há plantas que não são comestíveis por inteiro", reforça Iramaia.

Importância

Uma alimentação saudável e balanceada traz inúmeros benefícios, e as PANCs podem se tornar fortes aliadas daqueles que buscam um estilo de vida mais natural. "Com o aumento do consumo de alimentos naturais que trazem benefícios aos indivíduos e ao meio ambiente, as plantas alimentícias não convencionais têm apresentado uma possibilidade valiosa para se ter uma alimentação rica nutricionalmente, com mais equilíbrio à saúde e sustentabilidade ao meio ambiente", pontua a doutora em Biotecnologia.
 
Além de suas vantagens nutricionais, as PANCs causam um impacto na agrobiodiversidade brasileira. Segundo a docente, o consumo dessas plantas ajuda a promover a alimentação a partir da valorização da produção local, já que os seus cultivos podem dar autonomia para a plantação e auxiliam na preservação da cultura local. 
 
"Neste sentido, a disseminação do uso e de práticas alimentares que incluam as PANC pode gerar atividades remuneradas na produção e comercialização deste tipo de alimento, trazendo empoderamento a comunidades carentes, o que não deixa de ser uma estratégia de combate às desigualdades sociais. Por outro lado, essas plantas são de fácil plantio e resistem às condições  adversas do meio ambiente, sendo possível plantá-las em solos pouco férteis, o que é uma enorme vantagem para as regiões carentes do nordeste", finaliza Silva.