null Entrevista Nota 10: Fernanda da Escóssia e a pluralidade do Jornalismo

Seg, 18 Outubro 2021 09:57

Entrevista Nota 10: Fernanda da Escóssia e a pluralidade do Jornalismo

Palestrante do Mundo Unifor 2021, editora da revista piauí destaca importantes desafios do jornalismo na atualidade


Fernanda da Escóssia é doutora em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC/FGV e mestra em Comunicação pela UFRJ (Foto: Acervo pessoal)
Fernanda da Escóssia é doutora em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC/FGV e mestra em Comunicação pela UFRJ (Foto: Acervo pessoal)

Jornalista e professora universitária, Fernanda da Escóssia acredita que "O Jornalismo permite mobilizar conhecimentos em diversas áreas”. O interesse por múltiplos campos do saber guiou o doutorado em História, Política e Bens Culturais, cuja síntese resultou em “Invisíveis: uma etnografia sobre brasileiros sem documento”, livro que lança este ano. 

Editora da revista piauí, ela vivencia diariamente os desafios do fazer-jornalístico em tempos em que a desinformação carece de combate firme, compromissado com a rigorosa apuração dos fatos e atento à transformação digital. 

No dia 21 de outubro, a jornalista participa do Mundo Unifor 2021, ministrando a palestra “Uma conversa com a autora Fernanda da Escóssia”, que acontece em formato virtual.

Com exclusividade em Entrevista Nota 10, Fernanda fala sobre o processo de concepção de sua nova obra, destaca as mudanças enfrentadas nas redações ao longo de sua trajetória profissional e aborda ainda a importância da resistência em meio à pandemia. Leia na íntegra:

Entrevista Nota 10 - Fernanda, para iniciar: como surgiu seu interesse pelo Jornalismo? Sempre foi a carreira que vislumbrou? 

Fernanda da Escóssia - Eu sou filha, neta, bisneta e trineta de jornalistas... então devo dizer que convivo com jornalismo, jornais e jornalistas desde muito criança. Por outro lado, acho interessante contar que eu gostava muito de biologia, matemática e física, então cursos como Medicina e Engenharia não estavam completamente fora do meu horizonte. Na hora de decidir pelo que seria a minha rotina profissional, pesou o fato de realmente gostar muito de ler e escrever. 

Entrevista Nota 10 - Você também é doutora em História, Política e Bens Culturais. Como essa formação tem se relacionado com o Jornalismo ao longo da sua trajetória profissional? 

Fernanda da Escóssia - Como eu dizia na resposta anterior, tenho interesse em muitas áreas do saber. O jornalismo permite mobilizar conhecimentos em diversas áreas. Essas outras habilidades, os outros interesses, também servem a um jornalista. Eu tinha muita certeza de qual seria o tema do doutorado, a situação dos brasileiros adultos sem documentação - um assunto que eu já tinha abordado com as ferramentas do jornalismo. Busquei então fazer uma análise com as ferramentas das ciências sociais, reconstituindo as trajetórias dessas pessoas e relacionando-as com conceitos como direitos, cidadania, identidade e memória. O doutorado numa instituição como o CPDOC me auxiliou muito a ampliar conhecimentos para fazer esse recorte.

Entrevista Nota 10 - Você já atuou em jornais como O Globo, Folha de S. Paulo e O Povo. Diante das suas experiências, quais as principais transformações vivenciadas nas redações, desde que iniciou sua carreira até os dias atuais? 

Fernanda da Escóssia - A transformação digital foi decisiva para o mundo, e para o jornalismo também. Há mais pessoas produzindo conteúdo, o acesso a esses conteúdos mudou... O jornalismo teve de se adaptar e achar formas de continuar sendo relevante numa sociedade hiper midiatizada, na qual a disputa pela atenção da audiência é constante.

Entrevista Nota 10 - Acredita que essas transformações, principalmente relacionadas ao meio Digital, mudaram a forma de fazer e de ensinar Jornalismo? 

Fernanda da Escóssia - Certamente. O jovem jornalista precisa ter habilidades digitais que antes não eram exigidas, desde a produção de vídeos até o domínio das redes. E os cursos de Jornalismo devem estar atentos a isso.

Entrevista Nota 10 - Como professora universitária, esse é um desafio?

Fernanda da Escóssia - Sim. Nas aulas, nas palestras, tento destacar a emergência dessas novas habilidades do jornalista. Mas reitero que é imprescindível dominar o que chamo de ferramentas clássicas: a apuração cuidadosa, o domínio do idioma, os conhecimentos sobre história e política... além, é claro, de manter os rigores éticos da profissão. Num mundo contemporâneo marcado pela desinformação, mais do que nunca, essas ferramentas clássicas e os parâmetros éticos tornam o jornalismo cada dia mais necessário.

Entrevista Nota 10 - Falando um pouco sobre o contexto da pandemia... De que forma o Jornalismo tem resistido a esse cenário, na sua avaliação? 

Fernanda da Escóssia - As redações tiveram que criar rotinas para o momento da pandemia, alterar seus modelos de reuniões e investir na apuração por meio de ferramentas de uso remoto, entrevistas por telefone, chamadas em vídeo e uso de dados. Por outro lado, em algumas reportagens, o trabalho de campo é difícil de ser substituído, quando não impossível. Lugar de repórter é na rua.

Entrevista Nota 10 - No dia 21/10, você participa do Mundo Unifor 2021. Quais são as expectativas para o evento? 

Fernanda da Escóssia - É um privilégio discutir num ambiente universitário o problema dos brasileiros sem documentação. A academia e o jornalismo precisam estar atentos ao tema, que explicita a desigualdade brasileira em suas variadas facetas. A falta de documentação dialoga com muitos outros problemas brasileiros, como a pobreza, o racismo estrutural, o machismo e a dificuldade de acesso dos mais pobres ao sistema judicial.

Entrevista Nota 10 - Fernanda, seu novo livro “Invisíveis: uma etnografia sobre brasileiros sem documento” é uma obra que narra histórias de brasileiros adultos sem certidão de nascimento, uma temática muito sensível e necessária, sobretudo. Como foi o processo de concepção da obra? 

Fernanda da Escóssia - O livro sintetiza minha tese de doutorado, defendida em 2019 no CPDOC/FGV. Na pesquisa de campo, acompanhei durante dois anos o trabalho num serviço público e gratuito de emissão de certidões de nascimento que funciona num ônibus, no centro do Rio de Janeiro. Levei para o livro as histórias dessas pessoas. A partir de muitas entrevistas, narro como elas se veem sem documentos e explico o processo para obter a documentação. Discuto também o significado que as pessoas indocumentadas atribuem à certidão de nascimento.

Entrevista Nota 10 - Para finalizar, gostaria que você deixasse aqui um convite-mensagem ao público para o Mundo Unifor 2021. 

Fernanda da Escóssia - A ideia é conversar com o público e contar essas histórias desses brasileiros sem documento, mostrando como esse tema dialoga com muitas outras questões brasileiras. É um assunto que dialoga com várias áreas, jornalismo, direito, ciências sociais, história, áreas da saúde... Por exemplo, quem não tem documento não tem acesso a tratamentos de saúde mais complexos, só pode ter atendimento emergencial. Como um profissional de saúde lida com alguém sem documentos? Acho que vai ser uma oportunidade maravilhosa discutir esse tema no Mundo Unifor e mostrar que o documento é um passo imprescindível no caminho da cidadania.