seg, 16 outubro 2023 11:31
Professores compartilham dicas para estimular aprendizagem por meio da leitura
Celebrando o Dia do Professor e o Dia da Leitura, docentes da Universidade de Fortaleza encontram formas de potencializar processo de assimilação de conteúdos
“A leitura é como uma argamassa que dá consistência à aprendizagem”. Com essa declaração, a Dra. Paola Tôrres, médica, cordelista e professora do curso de Medicina da Universidade de Fortaleza — instituição da Fundação Edson Queiroz —, ilustra a importância da leitura para si própria e para estudantes no universo acadêmico.
Natural do sertão pernambucano, a docente diz que, quando criança, seu único contato com o mundo exterior era intermediado pela leitura. “Por meio dela, se descortinaram para mim mundos que eu depois descobri existirem, mas que jamais, sem a leitura, teria conseguido chegar até eles”, relembra.
Medicina em cordel
O gosto pelo ato de ler tem acompanhado Paola em muitas de suas atividades, e na atuação como médica e docente de Medicina não é diferente. Ela conta que utiliza o cordel para transmitir conhecimentos técnicos de forma prática, precisa e lúdica.
Entre os trabalhos mais recentes da médica, está um cordel sobre Neoplasias Hematológicas (cânceres do sangue, como leucemia, linfoma e mieloma), escrito para médicos de família e comunidade, internos e estudantes de medicina. “Todos esses cordéis são muito bem aceitos, e mais: eles realmente são efetivos em matéria de potencializar a aprendizagem do conteúdo”, enfatiza.
“Aprendizagem é transformação. É sempre de dentro para fora, algo dentro se transforma quando você aprende e a leitura é como uma argamassa que dá consistência à aprendizagem” — Paola Tôrres, médica, cordelista e professora do curso de Medicina da Unifor
Paola foi uma das idealizadoras da Cordelteca Maria das Neves Baptista Pimentel, que fica instalada na Biblioteca Central da Unifor. Inaugurado em 2019, o equipamento cataloga, indexa e organiza, com cuidados especiais, os folhetos de cordéis, contando com um acervo com 1.606 mil títulos e 3.718 exemplares.
Os quadrinhos e a lei
Para Daniel Camurça, a leitura é a condição mais importante para o aprendizado. Porém o professor do curso de Direito da Unifor ressalta a importância de ler além de textos escritos.
“Saber ler animações, quadrinhos, desenhos, pinturas e obras de arte é um processo edificante para o aprendizado de crianças e adolescentes, garantindo a eles, então, processos cognitivos mais complexos”, elucida.
Camurça é líder do grupo de pesquisa "Justiça em Quadrinhos" da Unifor, que visa analisar a questão da ética, da justiça e da cidadania por meio do exame de desenhos animados, quadrinhos, seriados, tirinhas e conteúdos similares. Segundo ele, a mecânica de aprendizagem, graças à análise e leitura dessas mídias, é fundamental.
“No grupo de pesquisa, os estudantes têm a oportunidade de analisar criticamente a realidade com a qual eles se deparam, observando – para além do lado estético e do entretenimento – e compreendendo essas ferramentas sociais, políticas, jurídicas e econômicas como instrumentos que, de alguma maneira, estabelecem na sociedade um discurso de poder e uma dinâmica de realidade que sempre atende a interesses diversos” — Daniel Camurça, professor do curso de Direito e líder do grupo de pesquisa Justiça em Quadrinhos
Direcionado para o Direito, mas sem se limitar a essa área do conhecimento, o grupo de pesquisa “Justiça em Quadrinhos” está aberto a estudantes que têm interesse em fazer pesquisa, publicar artigos, apresentar trabalhos, participar de eventos, entre outras atividades.
Uma vez por ano acontece o Colóquio Justiça em Quadrinhos. “A meta é conhecer quadrinistas e roteiristas, ver pesquisas de diferentes intelectuais que abordam a temática dos quadrinhos e das animações, criando espaços de debate para que os estudantes possam ampliar seus horizontes de aprendizagem”, sintetiza Daniel.
As raízes do jornalismo
Wagner Borges, coordenador do curso de Jornalismo, salienta o desafio de estimular os alunos nativos digitais a conciliar leituras mais qualitativas e atentas – como a leitura de um livro e de um jornal – aos conteúdos acessados via redes sociais.
Para ele, o grande volume de informações a que as pessoas são submetidas diariamente por meio dos dispositivos mobile é incompatível com a capacidade de raciocínio individual. O docente cita, inclusive, um estudo da revista científica The Lancet, que correlaciona o excesso do uso de redes sociais a sintomas depressivos.
Entre as estratégias para estimular a leitura entre os estudantes de Jornalismo, o coordenador promove todos os semestres uma visita à Biblioteca Acervos Especiais da Unifor. A vivência acontece com os alunos ingressantes, como uma atividade da disciplina de História do Jornalismo.
“A leitura é fundamental para o processo de aprendizagem porque ela significa também uma relação mais atenta e mediada, onde entra aqui um fator muito importante que é o professor como intérprete, como esteio do debate que a leitura pode e deve suscitar, principalmente, no ambiente acadêmico” — Wagner Borges, coordenador do curso de Jornalismo da Unifor
Em sala de aula, a turma conversa sobre os primeiros jornais do país: a Gazeta do Rio de Janeiro, jornal oficial que veio com a corte de Dom João VI; e o Correio Braziliense, de Hipólito da Costa, que chegava ao país clandestinamente e fazia oposição velada ao Brasil colonial. Após o momento teórico, o professor proporciona a experiência de ver de perto os exemplares originais citados em aula.
“É um momento muito rico porque a gente vê, na realidade, o aluno se apropriando, vivendo uma experiência sensorial, inclusive. Eu entendo que é um dos pontos altos da disciplina, e não só pela cara deles na hora, mas pelo feedback que eles dão depois”, relata o professor Wagner.
Leituras que mudam vidas
Como professores intimamente ligados à leitura, Paola, Daniel e Wagner têm títulos que, de alguma forma, os tocaram de forma especial. Eles compartilham essas obras, falam brevemente sobre o que as faz tão marcantes e indicam a leitura.
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Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa
“Foi sem dúvida um livro que me fez pensar, sentir, entender e querer ir além no que se refere à minha jornada como leitora e como escritora” — Paola Tôrres, médica, cordelista e professora do curso de Medicina da Unifor
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Cidade Febril: Cortiços e Epidemias na Corte Imperial, de Sidney Chalhoub
“Foi um livro significativo que eu estudei na graduação, exatamente porque mostra que nem sempre o saber médico tem por função ajudar. Na verdade, por meio do prefeito Barata Ribeiro, na cidade do Rio de Janeiro do século XIX, foram usados discursos médicos para estabelecer mecanismos de controle, principalmente contra a população negra escravizada ou ex-escravizada. A consequência disso foi a favelização da sociedade carioca, na mesma medida em que expulsaram homens e mulheres pobres trabalhadores do centro da cidade para as periferias daquele centro urbano” — Daniel Camurça, professor do curso de Direito e líder do grupo de pesquisa Justiça em Quadrinhos
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A Pele, de Curzio Malaparte
“Essa obra é considerada o livro que inaugura o neorrealismo na Itália. É um retrato muito duro, muito dramático, mas muito verdadeiro da Itália ocupada pelos nazistas, em seguida libertada pelos americanos. O autor é um adido do exército italiano junto ao exército libertador, que é o exército americano, e ele faz um retrato de como um país inteiro, uma cultura tão forte é totalmente dominada e destruída pelo fascismo. E mesmo diante da libertação, do reencontro com a democracia, restam os efeitos que isso faz na psiquê, na alma, na cultura e no sentimento do povo. É um livro que eu indico sempre porque além de tratar de um fato, ele tem tintas jornalísticas muito fortes, pois busca um relato eterno de uma coisa que foi recente e muito brutal para o mundo” — Wagner Borges, coordenador do curso de Jornalismo da Unifor