null Entenda por que chuvas intensas continuam a causar alagamentos em Fortaleza

Seg, 18 Março 2024 11:00

Entenda por que chuvas intensas continuam a causar alagamentos em Fortaleza

Especialistas abordam origem do problema e citam ações capazes de mudar o quadro na capital cearense


Fortaleza apresenta pontos de alagamento que dificultam o trânsito de pedestres e veículos em períodos de chuva (Foto: Thiago Gadelha/SVM)
Fortaleza apresenta pontos de alagamento que dificultam o trânsito de pedestres e veículos em períodos de chuva (Foto: Thiago Gadelha/SVM)

Historicamente, o Ceará passou por longos períodos de secas que castigavam a população com escassez de água. Diante desse contexto, é fácil entender por que a chuva, para grande parte dos cearenses, representa esperança e fartura. No entanto, moradores da capital do estado têm vivenciado uma realidade diferente ao lidar com transtornos provocados por alagamentos em razão das chuvas na cidade.

O problema está nas chuvas?

Segundo Camila Bandeira, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz, são vários os motivos que contribuem para que Fortaleza tenha pontos de alagamento, entre eles o excesso de áreas pavimentadas e o subdimensionamento de redes de drenagem.

A arquiteta explica que a redução de áreas verdes e permeáveis, ou seja, de solos que permitam a absorção da chuva, impede que água faça o caminho natural de infiltração no solo, o que ocasiona o acúmulo dessa água na superfície, dando origem aos alagamentos. 


A implantação da Infraestrutura Cinza - representada por sistemas construídos nas cidades para viabilizar a captação de águas pluviais, e tudo aquilo que dá suporte às necessidades da população, provocou a segregação das áreas naturais e acarretou diversos problemas ambientais às cidades brasileiras (Foto: Getty Images)

Para Raquel Moraes, também professora de Arquitetura e Urbanismo da Unifor, a qualidade de vida nos centros urbanos fica prejudicada quando os gestores das cidades não reconhecem a funcionalidade da paisagem natural no manejo das águas pluviais e a importância da preservação das áreas verdes no entorno de riachos e lagoas. Essa falha fica evidente quando ocorre a fácil legalização de empreendimentos imobiliários em regiões onde, no período chuvoso, a água precisa extravasar.

Camila Bandeira destaca também o descompasso entre os projetos de drenagem face ao desenvolvimento e crescimento da capital. "A cidade vai crescendo em uma velocidade muito grande, e a rede de drenagem pode não acompanhar. Há também problemas com a questão da manutenção e conservação dessa mesma rede de drenagem, com pontos de lixo e entupimentos das calhas", sintetiza a docente.

População exposta a riscos  

Com os alagamentos, a segurança da população fica comprometida. Seja pela ocupação de áreas de risco, onde a possibilidade de acidentes é maior; seja pela aquisição de doenças que têm a água contaminada como principal vetor de transmissão, como leptospirose e hepatites infecciosas; ou ainda pela potencialização dos perigos de acidentes nas ruas, como quedas de ciclistas e pedestres em buracos e bueiros que ficam escondidos sob a água acumulada.

"Para se proteger, é importante evitar contato com a água e a lama acumuladas nas ruas, principalmente se houver ferimentos ou arranhões na pele. Outra dica é optar por percursos que ofereçam melhor visibilidade da rua e  dos possíveis buracos  ao longo do caminho", aconselha a professora Raquel.


"A cidade é um sistema vivo e dinâmico. Quanto mais se pavimenta, mais se evita que a drenagem natural ocorra. No entanto, a água vai correr por algum lugar, então ela vai por lugares inadequados, e daí surgem os alagamentos. É preciso evitar que as populações vulneráveis ocupem as áreas de risco e estejam sujeitas a perigo de morte durante esses processos" – Camila Bandeira, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unifor

O que esperar do poder público

Para Moraes, políticas de planejamento guiadas pelo urbanismo sustentável podem mitigar os problemas ocasionados pelas chuvas, por meio da priorização de soluções que vão aumentar as áreas permeáveis e valorizar espaços fundamentais para o manejo e absorção das águas pluviais. A professora cita um conjunto de ações que podem contribuir para esse fim:

  • Viabilizar a retenção e o aproveitamento das águas pluviais nos espaços livres de residências (unifamiliares e multifamiliares) e de comércios;
  • Instalar pavimentos permeáveis e jardins que potencializam a retenção da água; 
  • Criar aberturas para o escoamento pluvial adentrar canteiros verdes situados em ruas e avenidas; 
  • Incentivar a adoção de áreas verdes permeáveis por moradores ou empresas.


"A instalação de Ecopontos em Fortaleza representa importante ação para conscientização dos moradores da capital sobre o destino adequado de resíduos sólidos, visando diminuir a quantidade de lixo descartada nos espaços públicos", afirma Raquel Moraes (Foto: Queiroz Neto/ Prefeitura de Fortaleza)

Raquel explica que, em Fortaleza, ao longo dos últimos anos, as medidas tomadas para evitar alagamentos se concentram em obras de drenagem que utilizam a infraestrutura cinza em sua maioria, contemplando pouco as Soluções Baseadas na Natureza (SBN).

"Podemos citar a obra na Avenida Aguanambi, em 2017, para resolver os alagamentos na área e acomodar os novos corredores de ônibus (BRT), e, atualmente, a construção de um reservatório subterrâneo na Avenida Heráclito Graça", exemplifica.

No entanto, além das intervenções emergenciais, o planejamento de médio e longo prazo prevê, de acordo com o Plano Fortaleza 2040 (IPLANFOR), o aumento da cobertura vegetal, viabilizada pela criação de parques urbanos arborizados, por um plano de arborização urbana para o sistema viário, e pela substituição do asfalto por pavimentos permeáveis em vias locais.

A docente destaca ainda exemplos a serem seguidos, como as cidades de Portland, nos Estados Unidos, e Curitiba, no estado do Paraná. Segundo ela, essas localidades estão revertendo os impactos negativos causados pela priorização da infraestrutura cinza, por meio da introdução de técnicas naturais de manejo do escoamento pluvial.


Com mais de 40 bosques, Curitiba soma 60 metros quadrados de área verde por habitante, segundo informações da prefeitura da cidade (Foto: Getty Images)

O papel do cidadão 

Em paralelo às políticas públicas e ao planejamento urbano, a educação ambiental e a conscientização da população têm relevante papel no combate aos alagamentos. É a partir da iniciativa pessoal de cada cidadão em evitar o descarte incorreto de lixo, que são reduzidas as possibilidades de contaminação da água e entupimento de bueiros e calhas. 

Raquel ressalta a necessidade de instruir crianças e jovens acerca da importância da vegetação em espaços públicos e privados. Além disso, destaca a necessidade de disseminar conhecimentos sobre o cuidado com o lixo e o manejo correto de resíduos sólidos, respeitando os dias e horários em que a coleta passa no bairro e realizando a coleta seletiva em apoio à reciclagem.

"Cidadãos conscientizados têm voz ativa para pressionar o poder público  nos processos de atualização e adequação de dispositivos legais que regulam tanto a ocupação do solo quanto os padrões construtivos de empreendimentos imobiliários, para que o desenvolvimento da nossa cidade possa responder com eficácia aos eventos climáticos extremos e seus efeitos nocivos" – Raquel Moraes, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unifor

Visando um futuro sustentável, Camila Bandeira ressalta ainda a importância de fazer com que as novas gerações entendam os riscos do processo de superpermeabilização do solo. "Espero que a gente consiga ter futuras gerações que entendam que precisamos cuidar melhor da nossa cidade", frisa a docente.