null Entrevista Nota 10: Pedro Fernandez e o papel da Medicina do Trabalho nas empresas

Seg, 18 Março 2024 14:28

Entrevista Nota 10: Pedro Fernandez e o papel da Medicina do Trabalho nas empresas

O professor e médico explica como a especialidade contribui para um ambiente organizacional seguro e saudável e aborda o impacto do home office na saúde dos trabalhadores 


Pedro Fernandez é médico do trabalho e professor convidado em cursos de pós-graduação na área de Saúde e Segurança do Trabalho na Unifor (Foto: Arquivo pessoal)
Pedro Fernandez é médico do trabalho e professor convidado em cursos de pós-graduação na área de Saúde e Segurança do Trabalho na Unifor (Foto: Arquivo pessoal)

Em 2022, de acordo com dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, o Brasil registrou 612,9 mil notificações de acidentes relacionados à jornada profissional. A partir deste cenário, falar e investir em saúde física e mental na esfera organizacional tornou-se prioridade. No cenário empresarial contemporâneo, uma área tem crescido e assumido um papel estratégico nas organizações: a Medicina do Trabalho

A especialidade foi criada no século XIX, como resposta às condições laborais desumanas durante a Revolução Industrial. O propósito da área é garantir um ambiente de trabalho positivo e acolhedor para todos, além de contribuir para a prevenção de problemas que impactam diretamente a performance, produtividade e a saúde – física e mental – dos trabalhadores. 

“A atuação dos médicos do trabalho é imprescindível. Na verdade, esse é o grande objetivo da especialidade: garantir que todos tenham o direito a trabalhar de forma segura e saudável. O trabalho constitui uma grande parte da nossa identidade, do que nos define; não à toa é um direito fundamental”, afirma Pedro Fernandez, médico e professor da Especialização em Medicina do Trabalho da Universidade de Fortaleza, da Fundação Edson Queiroz

Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC), o docente possui residência médica em Medicina de Família e Comunidade pelo Sistema Municipal de Saúde Escola (SMSE) de Fortaleza e mestrado em Saúde Coletiva pela Unifor. É também especialista em Medicina do Trabalho pela Universidade Estácio de Sá e já atuou como médico perito do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT-7). 

Pedro Fernandez acumula 13 anos de experiência como médico do trabalho da Unifor, além de fazer parte do corpo docente da pós-graduação da Universidade desde 2017. À Entrevista Nota 10 desta semana, ele explica como a especialidade contribui para um ambiente organizacional seguro e saudável, aborda o impacto do home office na saúde dos trabalhadores e cita de quais formas a especialização da Unifor prepara os profissionais para o mercado atual. 

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 — Professor, você poderia contar um pouco sobre como surgiu o interesse pela Medicina do Trabalho e por que decidiu atuar na área?

Pedro Fernandez — Surgiu um pouco por acaso. Infelizmente, durante a graduação, não tive muito contato com a especialidade, tendo um conhecimento muito superficial sobre saúde do trabalhador. Quando terminei a residência de Medicina de Família e Comunidade, tive a oportunidade de trabalhar no ambulatório de uma empresa realizando exames ocupacionais. Acabei unindo o interesse que tinha sobre o assunto com o que estava vivenciando na prática e procurei me especializar na área.

Entrevista Nota 10 — A Medicina do Trabalho, assim como a presença de profissionais especializados na área, é fundamental para todas as organizações. De acordo com sua experiência, como este campo médico contribui para a prevenção de acidentes e doenças ocupacionais, promovendo um ambiente de trabalho mais seguro e saudável?

Pedro Fernandez — A atuação dos médicos do trabalho é imprescindível. Na verdade, esse é o grande objetivo da especialidade, garantir que todos tenham o direito a trabalhar de forma segura e saudável. O trabalho constitui uma grande parte da nossa identidade, do que nos define, não à toa é um direito fundamental. Entender as relações entre o trabalhador, o trabalho, a saúde e a doença, com o foco preventivo de evitar o adoecimento. 

Precisamos seguir uma hierarquia, primeiro na prevenção primária, com o foco de tornar o trabalho saudável, evitando que ele adoeça o trabalhador. Se não for possível, devemos ser capazes de monitorar as exposições e atuar com a prevenção secundária, garantindo o diagnóstico de forma precoce. Na prevenção terciária, agimos na reabilitação dos trabalhadores, garantindo a adaptação do trabalho à sua capacidade.

Entrevista Nota 10 — E como a área influencia políticas públicas e regulamentações relacionadas à saúde e segurança no trabalho, contribuindo para uma sociedade mais justa e equitativa? Afinal, a Medicina do Trabalho está ligada a normas governamentais, inseridas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Pedro Fernandez — Existe uma série de regulamentações definidas para a proteção do trabalhador, entre normas legais e infralegais, que definem os parâmetros de atuação do médico do trabalho no ambiente corporativo. O médico atua como um guardião do trabalho seguro e saudável, como já foi dito. As avaliações ocupacionais do trabalhador visam verificar se ele tem capacidade para executar determinada atividade, lidar com as características dela (sem se colocar em risco de adoecer ou se acidentar) ou quais adaptações são necessárias no processo ou ambiente de trabalho, para que aquele trabalhador possa executar aquela atividade. Nesse sentido, também é nosso papel evitar o capacitismo com trabalhadores com deficiência, entendendo que as barreiras são externas e precisam ser identificadas e resolvidas.

Entrevista Nota 10 — De acordo com a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), aproximadamente 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome de burnout. Considerando este cenário, como os médicos especialistas em Medicina do Trabalho lidam com questões de saúde mental e emocional relacionadas ao ambiente organizacional?

Pedro Fernandez — Tenho três considerações que acho importantes a esse respeito. Primeiro, precisamos entender que burnout não é uma doença per se, mas uma síndrome (um conjunto de sinais e sintomas que nos aponta que algo está errado). A inclusão da síndrome no CID-11 acabou causando muita confusão, mas nem todos os diagnósticos codificados apontam para uma doença. Em segundo lugar, burnout não é a única condição de saúde mental que pode estar associada ao trabalho. Por último, muitas doenças psiquiátricas têm sinais e sintomas semelhantes, então é importante procurar um profissional de saúde que avalie o quadro, defina o diagnóstico e o tratamento adequado. 

Costumamos ouvir falar muito de ergonomia, e pensar em mobiliário, ou em movimentos, posturas. A ergonomia é uma ferramenta fundamental para o Médico do Trabalho. É a ciência que estuda a adaptação do trabalho ao homem em todos os aspectos, não só físicos, mas também organizacionais ou cognitivos. Existem características dos próprios trabalhadores (como personalidade), que influenciam no risco de desenvolver a síndrome de burnout. No entanto, também existem atividades profissionais associadas a esse risco, ou a outras causas de sofrimento mental relacionado ao trabalho. O médico do trabalho atua em equipe nessa análise e mitigação das condições que causem sofrimento (físico ou psíquico).

Entrevista Nota 10 — Mesmo com o fim da pandemia da covid-19, o trabalho remoto ganha cada vez mais adeptos. Você diria que o home office tem contribuído para uma melhora da saúde mental e física dos trabalhadores? Ou seria o contrário? 

Pedro Fernandez — Existem pessoas que se adaptam melhor ao trabalho remoto. Eu acredito que não há uma regra estabelecida. É importante para o trabalhador em home office criar a disciplina de separar o tempo para o trabalho e o tempo para casa, a fim de evitar o conflito entre essas duas dimensões. Da mesma forma que é importante se desconectar do ambiente doméstico para se concentrar no trabalho, é fundamental se desconectar completamente do trabalho quando não estiver trabalhando. O teletrabalho acaba tornando essas fronteiras mais turvas, e ainda estamos aprendendo a lidar com isso. 

É interessante como muitas pessoas que conseguem separar bem essa situação notam um ganho perceptível de tempo pessoal, o qual seria perdido em deslocamentos, por exemplo. Mas não podemos esquecer que o trabalho também é um ambiente de interação social, e que muitos sentem falta disso. Talvez, empiricamente, diria que o cenário ideal seja, onde for possível pela natureza do trabalho, permitir que o trabalhador fizesse isso de modo fluído. 

Entrevista Nota 10 – Como as oportunidades de carreira na área têm evoluído ao longo dos anos? E de quais formas a Especialização em Medicina do Trabalho da Unifor prepara os profissionais para o mercado atual?

Pedro Fernandez — Além de atuar no ambiente de empresas (públicas ou privadas) como médico do trabalho, há o aspecto ambulatorial da especialidade, atuando no SUS, como parte da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT); como perito na Justiça do Trabalho; ou como gestor de saúde. É uma especialidade que integra questões da clínica, da saúde coletiva (e gestão da saúde populacional) e administrativas (com grandes interseções com o Direito). As novas tecnologias têm transformado o mundo do trabalho e a especialidade, e a pós-graduação da Universidade de Fortaleza contempla todas essas possibilidades ao longo dos dois anos de especialização, além da oportunidade de atuação prática.